(entrevista originalmente publicada em junho de 2019)
TV 7 Dias – Parou com a ficção, voltou à apresentação, em que fase da sua vida profissional está?
Alexandra Lencastre – Não consigo definir numa palavra, porque eu acho que estou fora do meu ‘sistema solar’. Estou com uma perspetiva sobre o trabalho, as minhas qualidades, os meus defeitos, a minha entrega e a lealdade à TVI e aquilo que eu posso fazer e aquilo que eles me pedem para eu fazer, portanto estou a fazer uma espécie de uma avaliação. Sinto-me um bocadinho de fora, espectadora, a perceber o que me está a acontecer. Não imaginava nada chegar a esta altura da minha vida a fazer o que estou a fazer. É bom descansar da ficção, mas, por outro lado, tenho muitas saudades. Provavelmente, eu agora teria feito uma participação maior num filme, se soubessem que eu tinha disponibilidade, mas as pessoas também têm muito a ideia de que eu estou completamente absorvida pela TVI e não tenho tempo para nada. Foi uma ideia que se foi instalando e eu, às vezes, perco convites e fico triste, mas também não posso andar aí no Instagram a dizer: ‘I’m free, i’m free.’ Às vezes, tenho vontade que as pessoas saibam que eu tenho disponibilidade. Neste momento, olho para os meus colegas que estão a fazer novela com uma mistura de pena e inveja, mas tudo muito puro. Pena, porque estão ali no duro e sei muito bem como são os horários e as exigências, principalmente para os protagonistas. Por outro lado, tenho vontade de representar. Um ator, quando fica muito tempo sem representar, sente-se mais inseguro e, curiosamente, sente que começa a ‘patinar’. Quero ver se vou fazer um workshop antes de começar a próxima novela, que, à partida, é a do Rui Vilhena e começaremos para o mês que vem.
Já sabe o que vai fazer?
Ainda está tudo um bocadinho no segredo dos deuses. Eles não querem desvendar, porque a novela só começa em setembro.
Mas vai ser protagonista…
Não sei. O Rui tem uma forma de escrever que dá possibilidade de haver imensos protagonistas. Ele tem uma escrita muito aberta e quando começa já sabe exatamente o que quer. É muito raro ele mudar. No Tempo de Viver havia ali cinco protagonistas e havia homens também e havia espaço para tudo. Penso que o Rui tem uma surpresa para mim e não me vai pôr a fazer a vilã habitual.
Estamos a receber muitos atores do Brasil. Como encara isso?
Um ator é um bom ator em qualquer parte do Mundo e os bons atores destacam-se e eu tenho tido oportunidade de contracenar com excelentes atores brasileiros, que têm métodos diferentes e condições de trabalho fantásticas, às vezes, diferentes das que encontram aqui, mas tornam-se nossos amigos. Não é aquela coisa do vai dar um abraço, mas nunca fecha os braços, como o Cristo Rei. Eu acho que eles estão a querer ficar e criar raízes e isso é interessante. De repente, desde os atores a todos os realizadores e equipas técnicas, ninguém se sente diminuído em relação aos brasileiros. Houve uma altura em que sentíamos muito. Demos grandes saltos, graças a brasileiros como o André Cerqueira, por exemplo. Mas também temos bons ‘motores’ cá.
«Neste momento, vejo as pessoas na TVI a trabalharem muito»
Voltando ao que está a fazer, como é que alguém que se diz insegura está ali no Você na TV!, em direto [N. R.: na altura desta entrevista, a TVI ainda não tinha anunciado a saída de Alexandra do programa em questão]?
São estímulos. Eu considero que me transformo e gosto dessa transformação. É como passar de larva a borboleta. Eu vou muito nervosa para cada direto e nunca sei se vou ter cinco, dez ou 15 minutos, se de repente um convidado se atrasou mais ou faltou. O direto é sempre imprevisto. Eu gosto de trabalhar com tudo muito organizado e isto provoca em mim uma ebulição, mas, ao mesmo tempo, provoca em mim uma adrenalina que eu não sinto com outras coisas. Eu não crio uma personagem, sou eu.
As quartas de manhã consigo parece que ajudam a alavancar as manhãs…
Eu, por acaso, não sabia e foram os meninos que trabalham na comunicação e nas redes sociais que me vieram dar esses números e eu fiquei muito feliz, porque provavelmente a quarta-feira é um dia mais simpático, porque é a meio da semana. O José Eduardo Moniz e o Bruno Santos deram-me oportunidade de escolher o dia e eu achei que este era um dia interessante. Acho que arrancar a semana era um bocadinho duro, porque eu sou muito ‘verde’. Eu pensei que eles me iam convidar para uma entrevista, mas eles disseram que queriam que eu fizesse uma rubrica, uma coisa com mais nível e que estavam preocupados com as audiências, mas, mais do que isso, estavam preocupados com a dignidade do nosso trabalho e eu, neste momento, vejo as pessoas na TVI a trabalharem muito e está tudo em ebulição. E isso é positivo. Nós já sabemos que estas coisas das audiências sobem e descem, normalmente são anos, sete, dez anos no máximo. Mas a TVI continua a reinar à noite, mas no daytime há uma inevitabilidade histórica que se chama Cristina e é muito difícil.
Deve-se tudo à Cristina?
A TVI tem o seu público muito fiel e o Manuel Luís Goucha tem o seu público e já o tinha antes de a Cristina existir e mantém-se fiel. Acredito e tenho provas disso. A novidade do conceito do programa da manhã da SIC despertou muita curiosidade e fidelizou certas pessoas.
Falou na direção de Programas, mas o Manuel Luís Goucha também teve uma palavra na sua escolha, certo?
Penso que a escolha de todas as pessoas que estão no programa da manhã passaram também por ele. Ele foi consultado, porque ele também não queria trabalhar com pessoas com as quais não se sente confortável. O programa é dele. A Maria Cerqueira Gomes está cada vez mais forte, porque é um doce de pessoa, é uma espécie de nova ‘namoradinha’ de Portugal. Eu comparo-a à Catarina Furtado, porque é muito bonita e elegante e conquista o público facilmente.
Augura-lhe um bom futuro?
Sim, sim e acho que ela tem vindo a evoluir. Ela estava mais tímida ao princípio, mas quando eu me lembro da Cristina ou de outras pessoas… quando começamos somos sempre mais apagadas, mas depois ficamos mais giras, porque a pessoa depois descobre outra cor de cabelo, outra forma de se arranjar, de se cuidar, de se vestir de uma forma mais adequada ao seu corpo e vai aprendendo com os outros. Estamos em permanente construção e aprendizagem. O Manuel Luís tem a capacidade de receber os mais novos. Ele ajudou muito a Cristina e ajudou-a a soltar-se. O resultado está à vista e ele fez uma excelente aposta e ela é uma vencedora. A Maria sê-lo-á de outra forma. Vejo-a com outro tipo de personalidade, mais serena, menos ‘fogo’, a Cristina é ‘fogo’. Esta é ‘ar’ ou ‘água’. Mas é muito competente, atrevida, mas sempre com muito bom gosto e classe.
«Uma mulher com a minha idade [N. R.: 53 anos] e não estando casada é um alvo fácil»
No último ano mudou de casa. Está a ser bom viver em Lisboa?
Eu tinha muitas saudades de Lisboa, porque nasci em Lisboa e só com 33 anos é que me mudei e vivi 18 anos em Cascais. Mas nunca me apropriei de Cascais. Eu trabalhava nos estúdios e estava sempre a ir e vir e estava ali estava fechada no meu sossego e era ali que eu recuperava do desgaste emocional das novelas. Era ali o meu refúgio, onde as minhas filhas cresceram e eu sentia-me muito em paz, mas também muito isolada. Não fiz amigos em Cascais, porque não tinha tempo de ir às festas, porque não tenho o mesmo estilo de vida. A maior parte das senhoras que viviam ao pé de mim não trabalhavam, portanto faziam almoços e imensas coisas e eu não podia. Houve uma que me disse: ‘Já fez imensa coisa, porque é que não pára? Pare de trabalhar e venha divertir-se. Há tanta coisa para fazer…’ Se calhar hoje, se pudesse, tirava um ano sabático para pôr as coisas em ordem. Entretanto, descobri uma coisa fantástica. Sei os caminhos todos em Lisboa. Sou uma craque e não preciso de GPS.
As redes sociais também são uma novidade na sua vida…
Uma vez, acho que foi na Herdeira, eu, o Pedro lima, o Paulo Pires, a própria autora, a Maria João, fizemos uma reunião e sentimo-nos obrigados. Fomos completamente devorados por uma geração mais nova que vive das redes sociais, consegue tudo através delas, porque se tem 600 mil likes recebe chuvas de marcas diferentes, vestem as crianças e enchem a casa e, de repente, é um maravilhoso mundo novo que se abre a essas pessoas. Se não podes vencê-los junta-te a eles. O que eu quero dizer com isto de vencê-los é não ver o lado mau, a falta de comunicação que isto pode trazer. O estar numa mesa com amigos e estar tudo com o seu telemóvel, criarem-se relações amorosas que são virtuais. Isso não tem nada a ver comigo. Eu sou de toque, de abraço, de olho no olho. Não consigo ainda entrar com muito prazer, mas depois descubro umas coisas novas, que são as gerações mais novas que me ensinam. E depois ganhas fãs e ganhas haters, pessoas que não gostam de ti e que nunca te vão gramar e que têm imenso tempo livre de certeza.
Sofre com isso?
Sofro. Quando dói a barriga dói a barriga. Podes tomar um comprimido, mas eu acho que não há remédio para as dores de as pessoas ‘te rasgarem a pele’.
Chateia a maldade ou a crítica?
A crítica, eu acho saudável. A brincadeira também, mesmo que sejam picantes.
Metem-se consigo?
Um bocadinho, mas talvez porque eu não estou casada. Uma mulher com a minha idade e não estando casada é um alvo muito fácil. É fácil ridicularizar, mandar umas bocas e tal. Mas o que me custa mais é a injustiça e é a ignorância. Quando as pessoas falam sem saber o que estão a falar e quando são injustas, porque é apenas o ponto de vista delas, e são capazes de desfazer a vida de uma pessoa durante uma semana ou um mês, por causa de um comentário que fizeram naquele dia. São pessoas, provavelmente, muito solitárias, mas tornam-se injustas e amargas dentro da sua solidão.
Há um sentimento de impunidade?
Não há intocáveis, mas certas pessoas julgam-se completamente impunes e podem dizer tudo. Há quem responda. Eu não respondo. Conheço cada vez mais casos e a vinda para Lisboa tornou-se mais tóxica, talvez também por isso, porque fiquei mais perto de todas as realidades e dessa também. Conheço pessoas da minha idade e mais velhas que estão todo o dia na poltrona ligadas à Internet e sabem a vida de todas as pessoas. Mas o que é isto? Porque é que não vão dar um passeio e ver o rio?
As suas filhas aceitaram bem a mudança de casa?
A mais velha foi completamente a favor e ligou-se completamente a Lisboa, porque tem os amigos cá. É como eu. Tem saudades, mas não lhe apetece ir lá, porque dói um bocadinho. A Catarina, quando vem, passa metade do tempo em Lisboa a outra metade com as amigas em Cascais.
Ainda não voltou lá?
Não. Então quando soube que a minha casa, que já não é a minha casa, tinha sido demolida… mas desejo toda a felicidade do mundo a quem vive lá. Foram uns pais que compraram a casa para o filho que se casou e eu desejo que eles sejam muito felizes, porque eu tive momentos muito felizes, principalmente os primeiros dois anos em que ainda estava casada. Foi uma concretização de um sonho, não herdámos nada e proporcionámos às nossas filhas uma vida mais saudável.
«É uma pena os homens serem tão fortes e depois tão fracos nestas coisas [N. R.: relações]»
Por falar em casamento, ainda mantém esse sonho de voltar a casar?
Acho que já passou um bocadinho a época, mas ainda há bocado estava a ver o Instagram…
… Candidatos?
Não (risos). Estava a ver as fotografias do José Raposo, a sua linda mulher [N.R.: Sara Barradas] e a sua linda filha e tenho uma certa nostalgia de isso não me ter acontecido. A Maria João Abreu também voltou a casar e disse-me: ‘Ó mulher, tu casa-te!’ Depois há sempre pessoas a quererem-me apresentar alguém. Mas há uma coisa agora, quer dizer, já existe há muito tempo, já a Simone de Beauvoir e o Jean Paul Sartre viviam assim, um casamento aberto e viviam em casas separadas e essa tendência está a acontecer.
Vejo mulheres como a Alexandra, a Cristina Ferreira, a Judite Sousa e agora a Fátima Lopes, tudo mulheres com poder e imagem forte e estão solteiras. O poder afasta os homens?
Acho que sim, que o poder afasta os homens. Então no caso da Cristina é um caso flagrante. É muito difícil um homem não se sentir diminuído ao pé dela, porque é uma vencedora em várias áreas, é uma lutadora, uma mulher que está lindíssima. Eu acredito que ela seja muito desejada por muitos homens, mas se calhar não se sentem à altura ou então querem dominá-la, querem apanhar aquela beleza, como fizeram com Marilyn Monroe, mas depois querem quase destruí-la, para ficarem dominantes. Que ela deixe de apresentar, de pintar o cabelo de louro. Mas eles gostavam daquela pessoa que apresentava e era gira e se maquilhava. Mas depois, de repente é: ‘Ai, eu gosto de ti é sem maquilhagem, ai, não pintes o cabelo, deixa vir os brancos’… há homens que nos querem modificar. Isso é amor?
Isso não é a história das relações?
Eu nunca tentei modificar ninguém. No Piet Hein só tentei mudar o corte de cabelo, que ele usava risco ao meio, e no Virgílio Castelo não consegui nada. Não tive chance. Às vezes, queremos é que as pessoas, sei lá, há umas que são mais de dar beijinhos e estar no sofá enroscadas. Eu que sou de beijinhos e abraços, odeio…
A conchinha?
A conchinha para mim é mentira. Mesmo com as minhas filhas, mal me posso desviar… Mesmo quando elas eram pequeninas e a Cuca tinha o hábito de pôr a mão em cima de mim a proteger-me. Quando fui a Londres [N. R.: cidade onde a filha de Alexandra Lencastre está a estudar], ela foi dormir comigo ao hotel onde eu fiquei e ela fez conchinha com o braço a proteger-me. Isso é muito querido, muito amoroso, mas passado um bocado tive de tirar. Gosto muito de dormir sozinha e da minha privacidade. E respeito muito a dos outros. Mas é uma pena os homens serem tão fortes e depois nestas coisas serem tão fracos. Há uma data de mulheres fantásticas, que estão sozinhas, porque não encontram o homem ideal. Há umas que encontram soluções. Por exemplo, em rapazes mais novos, porque ficam mais novas elas próprias. Voltam a viajar e a vestir-se de uma maneira mais sexy. Perdem os complexos, porque sentem-se amadas. Mas eu não tenho jeito para isso. Vejo logo no filho de uma amiga, um filho. Só me sinto atraída por homens da minha idade ou mais velhos do que eu. Mas há muito tempo que não me sinto atraída.
Isso tem a ver com o quê?
Com uma questão de prioridades. Começas a priorizar uma série de coisas na tua vida e ficas sem espaço. Depois, quando pensas dar aquele passo… uma coisa é fazeres um telefonema, conheceres uma pessoa de trabalho interessante. Depois é o jantar e às tantas ouves: ‘Mas então onde é que vamos jantar? Ou na minha casa ou na sua, porque num sítio público a coisa pode…’
Ainda há esse lado de figura pública…
É uma maldição que nós temos. E, às vezes, até estou a jantar com… Olha, uma vez estava com o meu pai e fomos almoçar ao Guincho e ele pôs-me o braço por cima e disseram: ‘Alexandra troca Piet Hein por um homem muito mais velho’. Foi a única vez que ele achou piada.
E ainda hoje está com esse homem.
Ainda estou. São os homens da minha vida: o meu pai e o meu irmão. Os meus maridos também marcaram a minha vida, mas, neste momento, são eles. E espero em breve ter netos, porque estou cheia de ciúmes das minhas amigas que já são avós.
Acha que vai ser avó?
Elas não estão muito para aí viradas e entristece-me. Uma tem 23 e a outra 21 anos. Eu sempre quis ser mãe. Mal conheci o Piet Hein, ‘pum’. Queríamos os dois a mesma coisa da vida, conciliar os nossos trabalhos com a nossa vida familiar. Ele é muito de família, como se prova, casou outra vez e tem duas filhas que são uns doces. Não aconteceu comigo, mas aconteceu mesmo ao lado. Eu, às vezes, sinto-as um bocadinho minhas. Eu não quero que o Piet Hein e a Patrícia me levem a mal e eu acho que eles não levam.
Fala de um passado feliz, mas, recentemente, sentiu necessidade de partilhar um episódio de violência doméstica de outro relacionamento. Porque o fez?
Eu raramente faço isto, ou pelo menos peço um conselho a uma ou duas pessoas, que são mais pragmáticas e têm uma visão menos emocional. Desta vez, não me aconselhei, por uma questão de timing, ou seja, já tinha sido convidada para fazer esta marcha silenciosa em Setúbal e, não sei porquê, achei que era ao final da tarde e foi às três. Fiquei revoltada comigo por não poder fazer essa marcha, mas de facto há coisas que deviam ser guardadas. Por exemplo, pessoas da minha família e o meu primeiro marido [N. R.: Virgílio Castelo] ficou muito incomodado, porque foi logo abordado pela Imprensa. Eu também fui. Se calhar não devia ter dito nada. Mas queria tanto ajudar aquelas mulheres e queria tanto que elas se identificassem comigo e que tivessem coragem para continuar e para denunciar, que foi uma coisa que eu nunca fiz. Mas não me apetece mais falar do assunto, porque sinto que estou a ferir pessoas. Umas já nem sequer estão cá e outras não estão de acordo, portanto, nesse aspeto, fui demasiado impetuosa nesta atitude de dizer: ‘Eu sei o que é estar aí. Eu já estive aí e sei o que é, não estou a apoiar-vos porque é moda.’ Não devia ter feito, mas não me arrependo. Sinto é que foi uma estratégia negativa para os meus.
Pensou naquelas mulheres e…
Comecei a ver aquelas fotografias que elas me estavam a enviar e aquilo saiu-me e seguiu, porque faltavam cinco para as três. E é assim que são tomadas grandes decisões, umas boas, outras menos boas e esta talvez tenha tido muita insensatez, mas muita verdade.
É mais ponderada ou insensata?
Eu acho que sou uma insensata sensata. Eu acho que tenho estes impulsos, reajo a quente, mas tem de imperar a sensatez, se não onde é que eu já estava? Se calhar já tinha ido com o Malkovich para Chicago e tinha deixado as minhas filhas. Eu tenho um lado de louca, mas depois tenho outro muito maternal e protetor e combinar estas duas mulheres não é fácil.
Mas ia-se embora com o John Malkovich?
(Risos) Não, mas é uma proposta muito tentadora. Foi muito tentadora na altura, porque depois de eu ter participado num filme que ele era para ter feito em Portugal, que foi uma pena – chateou-se com o Paulo Branco na altura, mas enfim… Depois, só eu e o Luís Miguel Cintra é que fomos filmar a Espanha. Conheci o Javier Bardem, que é maravilhoso como pessoa e ator. E eles estavam já encarreirados para ir para Hollywood e o Malkovich deu uma ajuda. A Catarina ‘não-sei-quê’, que era agente, tratou-me ‘abaixo de cão’, porque, claro, não queria uma portuguesa num filme, mas a proposta dele foi muito interessante, porque ele queria que eu fizesse teatro na companhia que ele tem em Chicago. E, depois, isso ia dar azo a muitas coisas. Eu poderia ter tido uma carreira internacional, também poderia ter tido no Brasil, mas fiquei sempre, por causa das minhas filhas. Com o Piet Hein, nessa altura, falámos muito a sério, porque ele falou com os dois, em Madrid, porque eu filmei uma semana em Madrid e levei logo o Piet Hein e as miúdas.
Como se chamava o filme?
The Dancer Upstairs. Ele é uma pessoa muito especial e eu achei que me tinha caído uma estrela e que me podia guiar. Mas depois quando eu falei com a pessoa de quem eu gostava e com quem eu vivia e tinha uma família e ele disse: ‘Eu não estou preparado para ir para Chicago, não há Endemol, não vou arriscar do zero, não me sinto capaz com as duas filhas. Se não tivéssemos filhos, sim, mas com duas miúdas pequenas, não.’ E pronto, não houve mais conversa nem houve amargura nesta decisão.
Como se projeta daqui a dez anos?
Daqui a dez anos já devo ter falecido, porque eu não aguento isto muito mais tempo (risos). Eu projetei os meus 50 anos de outra forma. Estar casada, um monte no Alentejo e vir a família toda. Venho ao Alentejo como embaixadora e tenho esse privilégio. Não venho muitas vezes, porque não posso. Estive sete anos e meio sem parar. Agora, abrandei um bocadinho, mas não o suficiente.
Texto: Luís Correia | Fotografias: Impala | Agradecimentos: Herdade dos Alfanges, Viana do Alentejo, Município de Viana do Alentejo e Turismo do Alentejo
(entrevista originalmente publicada na edição nº 1678 da TV 7 Dias)