Sátira de Natal com Jesus gay: Ataque à sede da Porta dos Fundos já foi reivindicado

A sede do grupo Porta dos Fundos foi atacada com cocktails molotov na véspera de Natal. Em causa está sátira na qual Jesus Cristo e o Diabo são homossexuais. Grupo integralista assume ataque.

26 Dez 2019 | 12:55
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O ataque à sede do grupo de humor brasileiro Porta dos Fundos foi reivindicado esta quarta-feira, 25 de dezembro, por um grupo que se auto-intitula de Comando de Insurgência Popular Nacionalista da Família Integralista Brasileira. Num vídeo, que está a circular nas redes sociais, surgem 3 elementos deste grupo (associado à extrema-direita ultra-conservadora), encapuzados.

Com voz distorcida, um dos elementos lê um comunicado no qual afirma que o grupo é o autor do ataque à sede do grupo de humor. «Nós do Comando de Insurgência Popular Nacionalista da Família Integralista Brasileira reivindicamos a ação direta revolucionária que buscou justiçar os anseios de todo povo brasileiro contra a atitude blasfema, burguesa e antipatriótica que o grupo de militantes marxistas culturais Porta dos fundos tomou quando produziu seu especial de natal a mando da mega corporação bilionária Netflix, deixando claro para todo o povo brasileiro, mais uma vez, como o grande capital anda de mãos dadas com os ditos socialistas»

O ataque à sede do grupo humorístico brasileiro, fundado em 2012, foi revelado na véspera de Natal. Num comunicado publicado nas redes sociais, o coletivo liderado por Fábio Porchat explica como tudo aconteceu e promete não baixar os braços.

«Na madrugada do dia 24 de dezembro, véspera de Natal, a sede do Porta dos Fundos foi vítima de um atentado. Foram atirados coquetéis molotov contra nosso edifício. Um dos seguranças conseguiu controlar o princípio de incêndio e não houve feridos apesar da ação ter colocado em risco várias vidas inocentes na empresa e na rua», pode ler-se

«O Porta dos Fundos condena qualquer ato de violência e, por isso, já disponibilizou as imagens das câmaras de segurança para as autoridades e espera que os responsáveis pelos ataques sejam encontrados e punidos. Contudo, nossa prioridade, neste momento, é a segurança de toda a equipa que trabalha connosco». 

«Assim que tivermos mais detalhes, voltaremos a nos manifestar. Mas, por enquanto, adiantamos que seguiremos em frente, mais unidos, mais fortes, mais inspirados e confiantes que o país sobreviverá a essa tormenta de ódio e o amor prevalecerá junto com a liberdade de expressão», conclui o grupo.

 

Jesus gay, Maria atrevida e Deus sexual

Na plataforma de streaming Netflix desde o início de dezembro, o Especial Natal Porta dos Fundos A Primeira Tentação de Cristo tem estado no centro de uma polémica sem fim à vista, pelo menos do outro lado do Atlântico. O filme retrata o 30º aniversário de Jesus Cristo. Em casa de Maria e José, prepara-se uma festa surpresa para Cristo que regressa do deserto com um amigo especial.

Esse amigo, Orlando é, na verdade o Diabo. Tanto Jesus como o demónio são homossexuais. A sátira da Porta dos Fundos retrata ainda um triângulo amoroso entre a Virgem Maria, José e Deus, apresentado a Jesus como um tio. Gregório Duvivier interpreta Jesus Cristo e Fábio Porchat dá vida ao Diabo. Deus é interpretado por António Tabet.

Desde que estreou, o especial Natal tem sido alvo de críticas e chegou a ser feito um pedido à Netflix para retirar o programa da plataforma, algo que não chegou a acontecer. Em 2018, o coletivo de humor já havia lançado um especial natal, intitulado Se Beber, Não Ceie, no qual Jesus Cristo ordena homicídios e consome drogas.

Bruno Nogueira sai em defesa da Porta dos Fundos

 

O humorista Bruno Nogueira escreveu um longo texto onde defende o grupo de humoristas brasileiros. «Não deixa de ser irónico que seja a religião quem no final de contas provoque mais danos, muitíssimos mais do que o humor alguma vez conseguirá provocar. A liberdade faz-se ouvir assim: quando se tenta calar alguém, multiplicam-se as vozes de quem teima em falar. E assim será, a luta estará sempre perdida para quem cai na armadilha de tentar silenciar», escreve Bruno Nogueira.

O humorista português salienta que não considera que o ataque «reflita a opinião da generalidade dos católicos, mas é sem dúvida lá que faz semente e nasce». «Alguns católicos sentiram-se beliscados, e resolveram a questão arremessando cocktails molotovs contra o alvo da discórdia. Um pouco como eles entendem que Jesus faria, se fosse contrariado. Jesus é retratado neste especial de Natal como sendo gay, e foi isso que fez exaltar os ânimos. Surge então a dúvida: terá este ataque como destino final a liberdade de expressão ou a liberdade sexual? Qual delas incomoda mais a quem arremessa a raiva?», questiona Bruno Nogueira.

«É fundamental que a voz do Porta dos Fundos mantenha (agora mais do que nunca) o volume. Não importa se acham ou não piada ao que está aqui em questão, o que salta à vista é o costume: estas explosões de violência não fazem mais do que sublinhar a fragilidade de quem as protagoniza. Por estranho que possa parecer, a liberdade dá luta. Agora e sempre», conclui.

 

Texto: Raquel Costa | Fotos: DR

 

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