Cecília Carmo regressa à TV pela porta grande e garante: «Não saí zangada da RTP»

Cecília Carmo foi uma das primeiras mulheres portuguesas a trabalhar em jornalismo desportivo. Três anos depois de ter saído da RTP, está de volta à televisão. O ‘culpado’ é Nuno Santos.

11 Ago 2019 | 10:50
-A +A
TV 7 Dias – Foi uma das mulheres pioneiras no jornalismo desportivo. O Canal 11 não estaria completo sem a Cecília Carmo?

Cecília Carmo – Que eu me sinto muito completa no Canal 11, é verdade, estou a adorar o trabalho que estou a fazer. Adoro a área em que estamos a trabalhar, que é o futebol, e portanto sinto-me uma profissional completa. Mas não sou eu que tenho de responder a essa pergunta (risos).

Foram quase três anos de interregno do jornalismo, desde que saiu da RTP. Teve saudades e percebeu que não seria tão feliz sem a televisão?

Eu, de facto, saí da RTP e deixei de fazer jornalismo, mas quando eu saí da RTP já não fazia só jornalismo, fazia muito mais aquilo que estou a fazer aqui, que é produção editorial. Preparar os programas, definir as grandes operações – o que é que se faz, como se faz, como é que vamos abordar determinados conteúdos envolvidos numa grande operação, com comentadores, diretos, por aí fora –, portanto, é jornalismo, mas é muito mais o trabalhar em televisão.

E não vamos poder vê-la na informação ou a apresentar um programa?

Não. Eu adoro estar por trás das câmaras e tenho muito trabalho. Não é o estar à frente da câmara que me seduz mais ao trabalhar em televisão. É, de facto, mesmo este trabalho que tenho. Curiosamente, as pessoas dizem-me: «Isso é um bocadinho estranho, passaste 30 anos a apresentar, não tens saudades de apresentar?»  Gosto de apresentar, não vou dizer que não gosto, mas não tenho saudades, tenho tantas saudades como tenho de fazer outras coisas. E aqui estou muito bem a fazer o que estou a fazer.

Durante o tempo em que esteve afastada da televisão imaginava voltar?

A ideia era deixar, porque tinha outros projetos e continuo a ter, a nível pessoal, mas a ideia era: «Estive 30 anos na RTP e felizmente fiz tudo o que se podia fazer na informação, passei pelas áreas todas e, portanto, enquanto jornalista, fiz tudo.» E pensei: «Já tenho a minha dose», no bom sentido, porque eu fiz tudo.

Eu apresentei, coordenei, fui editora executiva, fiz parte de uma direção, fui estagiária, fiz entrevistas, debates, fui enviada especial, fiz diretos, felizmente fiz tudo, deram-me essas oportunidades e eu agarrei-as e trabalhei-as, portanto, nunca pensei: «Vou sair da RTP para ir para outro lado.» Mas quando o Luís Sobral e o Nuno Santos me falaram deste projeto, tudo o que estava cá dentro, esse bichinho todo veio ao de cima outra vez e eu fiquei logo com os olhinhos a brilhar.

Já tinha ouvido falar do projeto antes de ser convidada. Nunca lhe passou pela cabeça que poderia ser convidada para o integrar?

Sim, já sabia que ia haver o Canal 11, mas não estava à espera. Foi uma surpresa, mas não hesitei. Não lhe disse na hora que sim, mas disse passadas poucas horas.

Como é que aconteceu o convite e qual foi a sua primeira reação?

Marcámos um encontro, conversámos e eu fiquei logo com os olhinhos a brilhar. O Nuno Santos tem uma particularidade, uma de muitas, e grande virtude… consegue tirar das pessoas aquilo que de melhor elas têm em termos profissionais. Portanto, o Nuno conhece as pessoas com quem está a trabalhar e sabe que
perfil de pessoa precisa para determinada função.

Ele conhece-me a trabalhar, sabe o que é que eu valho, onde é que eu sou melhor e onde é que eu sou pior e, portanto, para aquilo que ele precisa de mim aqui, ele sabia que podia contar com este
perfil meu de trabalho. Acho que está a correr muito bem e todos achamos que cada um de nós, nas suas funções, está a correr muito bem. O tempo depois dirá.

«Queremos fazer com que mais meninos e meninas joguem futebol»

O canal só foi para o ar ontem [nr: 1 de agosto], mas entretanto vocês já estão a trabalhar há meses. Como é que tem sido este tempo?

Sim, começámos antes de maio. O trabalho está a ser espetacular, a equipa é fantástica, temos uma equipa de profissionais, e não estou a falar só de jornalistas, mas de todos os profissionais, com características muito diferentes, pessoas com muita experiência e pessoas com menos experiência, pessoas que estão muito focadas numa determinada área e outras que estão mais noutras, e todos nos complementamos uns aos outros.

Está a ser fantástico, porque estamos a criar um projeto de raiz. Estamos todos a construir e a dar um bocadinho de cada um de nós para este projeto, e isso é das coisas mais fantásticas que alguém pode
ter. E eu nunca tinha estado num projeto a começar. Aqui estou a ajudar a começar isto de raiz, estamos todos a começar um projeto que está a nascer, e isso é fantástico. Tem outra magia!

E até agora, mais surpresas ou dificuldades?

Surpresa muito positiva: as pessoas. É excelente! Temos pessoas bastante novas com muito pouca experiência, temos muito novas já com alguma experiência, temos pessoas mais velhas com muita experiência e outras com alguma, e conseguimos cruzar tudo isso de uma forma fantástica, porque são boas pessoas, porque são bons profissionais e porque todos nós, mesmo os que temos um bocadinho mais de experiência e anos de profissão, ouvimos da mesma maneira o funcionamento deste projeto.

Em que é que o Canal 11 vai marcar a diferença?

Nós vamos potenciar o futebol e queremos fazer com que mais meninos e meninas joguem futebol em
Portugal. E para isso nós precisamos de contar histórias e vamos marcar a diferença pelas histórias que vamos contar.

Vamos mostrar o que de bom há no futebol em Portugal, com histórias diferentes, até de protagonistas que já são mediáticos no futebol, mas que têm sempre um lado que é importante que os mais novos percebam, que é preciso trabalhar para se chegar aos objetivos, que as coisas não são dadas de mão beijada, mostrar a realidade do nosso país. Há tantos clubes, há tantas associações, há tanta gente que está ligada ao futebol e que não tem voz, e nós queremos mostrar isso e sempre pelo lado positivo. É um desporto tão bonito e tão importante que extravasa apenas o desporto. O futebol move paixões, multidões, sociologicamente faz parte das pessoas e, se nós mostrarmos esse lado bom do futebol, podemos ajudar e contribuir para que a nossa sociedade também seja bem melhor.

Nos últimos anos, o futebol tem estado associado a várias polémicas. O que o Canal 11 pretende é tirar o foco disso?

Claro! O que acontece, acontece e nós não podemos mascarar. Agora, empolar e muitas vezes distorcer o que acontece, seja no futebol, seja noutra área qualquer, não é bom. Portanto, nós não vamos deixar
de mostrar o que acontece, mas não vamos criar, de uma história que vale o que vale, uma novela que nunca mais acaba. Não é esse o nosso propósito.

Há algum profissional que não esteja neste projeto e que a Cecília gostasse de ter aqui?

Eu acho que somos tão bons aqui neste momento, que estamos todos neste projeto e os que estamos somos os que contamos. Independentemente de gostarmos mais de algum perfil profissional ou de alguma pessoa a título pessoal, neste momento somos os que somos e somos todos muito bons.

Disse que o melhor de si é a produção editorial. E o pior? No que é que não se considera tão boa?

A fazer grande reportagem, claramente. Porque é preciso gostar muito de fazer – não vou dizer que não gosto de fazer reportagem, porque adoro – mas é preciso depois criar uma história, às vezes com base em muitas histórias, outras em menos, mas ter arte para construir aquela grande reportagem, e eu acho que não tenho muita arte, porque eu sempre me habituei a trabalhar mais no dia-a-dia, na correria, e uma grande reportagem é uma coisa que é trabalhada ao longo de muito tempo.

 

Saída da RTP «foi natural»

 

É inevitável falar sobre a sua saída da RTP, cujos motivos nunca foram bem esclarecidos publicamente…

Porque foi natural, porque foi uma saída tão natural que não tem nada para empolar. Eu trabalhei 30 anos na RTP, estava muito bem na altura que saí, eu era executiva quando saí da RTP. Como se vê, estava bem, tinha projeto, só que chega a uma altura da nossa vida em que dizemos assim: «Vou continuar aqui ou vou fazer outras coisas, vou abraçar outros projetos? Já fiz tudo aquilo que podia
fazer aqui.»

E na altura proporcionou-se em termos pessoais e em termos profissionais, foi tudo muito bem ponderado e saí. Mas não saí com mágoa de ninguém ou zangada. Saí, porque entendi que era aquele o momento para sair.

Sentiu que não havia mais para evoluir?

Há pouco disse que fiz tudo o que havia para fazer em televisão, é verdade, mas há sempre mais para evoluir. Só que eu achei que… Como é que hei de explicar? O meu tempo podia parar ali, podia continuar,
mas podia parar ali e decidi sair, e foi só isso.

Diz que entretanto se proporcionaram outras coisas…

O Comité Olímpico, por exemplo, que entra praticamente logo de seguida. Primeiro por acaso – quer dizer, houve conversas com o presidente do Comité Olímpico e inicialmente eu estava a reorganizar
a minha vida e até me ofereci voluntariamente para ajudar, porque era ano olímpico –, mas depois, entretanto, apareceu também um projeto de vídeo, que foi a abertura do canal olímpico numa plataforma digital, e eu fui ajudar a montar esse projeto. Foi um desafio novo e foi muito engraçado.

Mas quando sai da RTP não era esse o projeto que tinha em mente na altura…

Na altura, pensei mais no projeto do Alentejo, que continua e há de continuar. É um projeto pessoal, familiar, de agricultura, e é um projeto que continuamos a ter e se o dia tivesse 48 horas era muito melhor para mim, mas não tem e nós vamos ter de nos adaptar às 24 horas do dia para fazer tudo. Agora está numa fase muito engraçada e que me está a dar um gozo bastante grande, porque vamos começar a produzir o nosso vinho. Nós temos vinha, estamos a finalizar a construção da adega e vai haver novidades em breve.

Nesse tempo ainda tirou duas pós-graduações: em Direito do Desporto e Wine Business…

Direito do Desporto enquanto estava no Comité Olímpico, porque eu trabalhei muitos anos no desporto na RTP, 18 anos, mas os últimos 12 foram na informação geral. Claro que fazia desporto nos jornais, mas uma das áreas em que sempre senti que tinha algumas limitações era a parte do Direito, mesmo quando estava
na informação geral. Indo para o Comité Olímpico, e exercendo as funções de diretora de Comunicação, percebi que ia lidar também com algumas situações mais institucionais e que aquela área ainda estava um bocadinho verde para mim; portanto, fiz a pós-graduação em Direito de Desporto. E foi ótimo não só porque ganhei conhecimento, mas também consegui aplicar algumas coisas no trabalho do dia-a-dia. Wine Business tem a ver com o projeto que temos no Alentejo.

Falou da mudança na RTP, do desporto para a informação geral, da RTP 1 para a RTPN. Uma mudança que na altura foi envolta em alguma polémica…

Sim… Mas isso já se passou há muitos anos e há coisas que nós arrumamos. Está arrumado e resolvidíssimo. Se não estivesse resolvido, eu não tinha feito os 12 anos que fiz, fantásticos, a seguir a ter
saído do desporto na RTPN. E cresci tanto profissionalmente que foi muito bom, por isso está totalmente arrumado.

 

Textos: Susana Meireles; Fotos: Liliana Silva ; Maquilhagem: Fati Jardim

 

Veja mais:
O Canal 11 está no ar; com Cristiano Ronaldo: «É muito bom tê-lo connosco»
Canal 11: o apito inicial acontece a 1 de agosto

 

(entrevista originalmente publicada na edição 1690 da TV 7 Dias)

PUB