Quem é a portuguesa que canta fado à janela em Paris durante a pandemia?

Daniela Costa é a portuguesa que tem cantado para os franceses durante a pandemia do novo coronavírus. A jovem de 36 anos canta fado em Paris e é um sucesso entre os parisienses.

28 Abr 2020 | 9:00
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Daniela Costa, 36 anos, é natural de Vizela mas vive em Paris, França, há 10 anos. Em plena pandemia da COVID-19 faz gosto à voz e canta para os vizinhos, fazendo esquecer assim e por momentos, o medo e a ansiedade que o novo coronavírus acarreta. Os vizinhos batem palmas e pedem mais… tudo para criar boas memórias nestes tempos difíceis.

 

 

Como surgiu a ideia de começar a cantar à janela?

Na verdade os meus vizinhos sabem que canto regularmente fado em Paris e também que faço teatro. Desde que começou o confinamento nunca mais pararam de pedir para eu cantar na hora das palmas e eu fiz-lhes a vontade e isso dá-me imenso prazer, diga-se a verdade. Nós começámos a bater palmas em homenagem às equipas hospitalares, mas também para darmos força uns aos outros e mostrar que estamos bem. Sobretudo na nossa parte do prédio, que está virada para o corredor interior e não temos contacto visual com a rua. Sentimo-nos menos sozinhos na hora das palmas.

Canta só em português? Percebi que depois falas e explicas tudo em francês. 

Canto sobretudo em português, mas não só. Há dias cantei “La Vie em Rose” de Edith Piaf e estou a preparar outras músicas que sejam conhecidas por todos. A escolha da “Canção de Embalar” de Zeca Afonso, que aparece no vídeo, é uma homenagem ao 25 de Abril. Daí estar a explicar em francês o significado da música e tê-la escolhido para marcar o aniversário da revolução dos cravos, expressão pela qual o 25 de Abril é conhecido por cá (“revolution des oeillets”) . Num contexto normal, nessa data teria participado num espetáculo dedicado a essa celebração. A comunidade do fado em Paris nunca deixa esquecer o 25 de abril.

Como tem sido a recetividade?

Os vizinhos agradecem e ficam muito felizes de cada vez que canto. Rompe aquilo que se vem tornando a rotina do confinamento e contribui para que no fim de tudo, haja boas recordações deste período conturbado que estamos a viver. Como me disse uma das minhas vizinhas “são momentos que nunca iremos esquecer”.

Faz com muita frequência? 

Não sempre. Como faço teletrabalho e tenho tido dias de muita azáfama, nem sempre estou com concentração e estado de espírito para cantar. Quando o faço quero que venha da alma, com todo o carinho e dedicação que devo entregar à música e a quem me ouve.

Canta profissionalmente? Ou tem outra área profissional? 

Costumo dizer que tenho uma profissão dita “séria” (sou assessora de comunicação), mas que a parte artística é que é a minha verdadeira essência. Consigo conciliar os dois mundos e participo sobretudo em projetos artísticos que me dão prazer. Atuo frequentemente em bares e restaurantes a cantar fado, sobretudo em Paris. Recentemente protagonizei a peça de teatro “Florbela, la Soeur du Rêve” (Florbela, a irmã do sonho), escrita 100% em francês, inspirada na obra da poetisa Florbela Espanca. O meu papel era justamente o de Florbela Espanca. É uma peça teatral, poética, com algum canto e coreografias à mistura, escrita por Odette Branco e encenada por Guy Calice. Tinhamos 10 datas programadas no “Théâtre du Gouvernail”, em Paris . Conseguimos atuar cinco, até que o confinamento nos obrigou a parar. Esperamos poder voltar assim que seja possível.

Como surgiu essa oportunidade? 

Curiosamente porque a autora da peça, que é luso descendente, ouviu-me a cantar um poema de Florbela Espanca (“Amar! “) e nesse momento pensou “esta é a Florbela que eu procuro”. Quando a Odette me fez o convite fiquei incrédulta, porque não sou atriz e fiquei com receio de assumir essa responsabilidade. Entretanto o trabalho com o encenador correu bem e senti que poderia desempenhar o papel.

É uma área que gostava de seguir?   

Devo dizer que foi uma descoberta pessoal da qual nao fazia a mínima ideia o quanto iria gostar. Sim, quero continuar. Nao fosse o confinamento e possivelmente já estaria a trabalhar numa nova peça.

Onde canta em França? Qual o teu estilo preferido?

Como referi acima, canto sobretudo em Paris, em bares e restaurantes. Às vezes em associações portuguesas ou outras salas de espetáculo. Já cheguei a cantar num barco! O fado é o tipo de musica predominante nas minhas escolhas, mas é difícil definir um estilo preferido. Gosto muito de indie pop, bossanova e jazz, por exemplo.

Como começou a cantar? 

Desde pequena que passava tardes a pesquisar os discos de vinil dos meus pais, a ouvir e a cantarolar as músicas que ia descobrindo. Entre karaokes na escola e ter sido membro de uma tuna académica, cantar foi fazendo parte da minha vida. Aos 23 anos, essa parte tornou-se mais séria quando comecei a ensaiar com um grupo de fado de Guimarães chamado “Cidade Berço”. Entretanto, ao emigrar para Paris tive primeiramente aulas com uma professora de jazz e, entretanto, inscrevi-me numa escola de canto onde estive dois anos. Nessa altura conheci pessoas fantásticas na comunidade do fado em Paris, que me ajudaram e motivaram a continuar nesse área artística. Desde então nunca mais parei.

Há quanto tempo está em Paris e porque escolheu ir para Paris? 

Vim para Paris há 10 anos, porque ganhei uma bolsa para fazer um estágio profissional no estrangeiro, no âmbito do programa Leonardo Da Vinci. Viver nesta cidade era um sonho que me acompanhava desde os 12 anos, idade com a qual vim pela primeira vez cá. Depois do estágio, o desejo de aprodunfar o conhecimento da língua francesa, juntamente com as oportunidades profissionais e artísticas que surgiram fizeram com que ficasse até hoje.

Como estão a viver a quarentena em Paris? 

Estamos relativamente bem (eu e o meu marido). No nosso prédio, mesmo que à distância, há interação com os vizinhos. O meu emprego não está, para já, afetado com o contexto atual, o que é um privilégio neste momento. Vivemos com a paciência e as precauções de segurança necessárias que se impõem.

Há quantos dias está fechada? 

Desde o dia 13 de março, ou seja 42 dias.

O que tem feito para passar os dias? 

Sobretudo tenho trabalhado, mais do que o habitual na verdade. Com isso e as tarefas domésticas sobra pouco tempo. Quando dá leio, oiço musica e vejo a Netflix. Se entretanto começar a ter mais tempo, talvez volte a pegar no piano e continue a aprender.

Gerir as saudades da família tem sido mais difícil? 

O facto de estar longe é algo que tive de aprender a gerir ao longo destes anos em Paris, embora quando vou aí, a hora de regresso seja sempre, sem exceção, triste. O que tem sido psicologicamente muito difícil neste contexto, é não saber quando poderei ir de férias novamente, sem ter a certeza de poder abraçar a minha familia e amigos mais próximos. Não ter a viagem de ida a Portugal marcada no calendário é muito angustiante.

Pensa regressar a Portugal? 

Sim, sobretudo agora em que me vejo confrontada com a incerteza de não saber quando vou ver os “meus”, como expliquei antes. Por muito bem que a experiência em França esteja a correr até agora, as nossas raízes falam mais alto.

Vem com muita frequência?

Sim, entre 3 a 4 vezes por ano.

Fazer um percurso artístico em Portugal está nos teus planos? Seja a cantar ou a representar?

Se voltar, sim, sem dúvida. Não posso viver sem o meu lado artístico, seja qual for o cantinho do universo onde estiver.

 

Texto: Ana Lúcia Sousa; Fotografias: Gentilmente cedidas por Daniela Costa e Philippe Martins e André Rodrigues

 

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