De regresso à televisão: Ana Zanatti fala da carreira e sobre o avançar da idade

Tem 71 anos e é um dos grandes nomes da representação em Portugal. Estar em paz consigo e aceitar a idade que vai avançando sem a rejeitar é a sua fórmula para se manter jovem.

15 Mai 2021 | 8:00
-A +A

TV 7 Dias – Como foi o processo de construção da sua personagem, D. Teresa em Vento Norte?

Ana Zanatti – Li o guião e a descrição da personagem com atenção, tentei perceber as motivações e atitudes desta personagem enquadrada na época em que viveu, recorri a algumas memórias de tias, avós, sobretudo memórias das tias e avós da minha mãe, como ela as descrevia, e como eu as imaginei, enfim, todas estas informações que colhemos ao longo da vida são matéria de trabalho para a construção de personagens. É sempre um excelente desafio, esse. Leva-nos a uma maior pesquisa, e a transportarmo-nos para um mundo que não vivemos mas sobre o qual ou já lemos, ou já vimos filmes, ou nos foi relatado oralmente.

 

Quais são os maiores desafios de uma atriz ao interpretar uma personagem de uma época que não se viveu?

O rigor em relação ao uso da linguagem, da expressão corporal são alguns dos fatores que pedem cuidado, estudo, pesquisa. Uma mulher de 25 anos nos anos 20, não tinha certamente a mesma postura, a mesma atitude interior, que teria em 1850, bem como uma de setenta nos anos 20 e com a mesma idade em 1921.

 

Considera que é uma mulher determinada assim como a sua personagem, D. Teresa?

Talvez tenha em comum com a Sr.ª  D. Teresa, a determinação, a fidelidade a alguns princípios e a lealdade para com os amigos.

 

Como vê a televisão hoje em dia? O que acha que falta?

Vejo pouco. Durante o dia geralmente estou ocupada e à noite, ou vejo filmes e séries ou leio. Mas tenho uma ideia do que se apresenta na generalidade, e com exceção de poucos canais onde a escolha é mais criteriosa, tende-se a cair na vulgaridade, a fazer concessões com o fito de agradar à maioria, de ganhar audiências. É lícito que os canais comerciais televisivos precisem de audiências, não vivem do ar, mas penso que podiam elevar o nível de certos programas, habituando também o público a adquirir outro nível de entendimento das coisas, outra consciência. Nem na cultura, nem na política, em nada sou apologista do nivelamento por baixo.

 

Qual é a sua opinião sobre a guerra de audiências entre as estações privadas?

Não estou preparada para responder porque não acompanho. Sei que existem, onde há dinheiro, poder e interesses, há guerras, mas como já disse, se para superarem a concorrência a opção for apresentar programas de nível cada vez mais baixo, o resultado, a meu ver, é desastroso.

 

Considera que privilegiam demasiado os atores mais novos e que desprezam os mais velhos?

A tendência é privilegiar o que se acredita que vende mais, e apostar no investimento a curto prazo. A beleza física, corpos elegantes, ginasticados, a juventude, atraem mais, na generalidade, do que os rostos enrugados e corpos menos ágeis dos mais velhos embora eles possam ter uma mais valia em conhecimento, e experiência das emoções humanas. Mas tenho constatado que os portugueses, na sua maioria, também apreciam, respeitam e gostam de ver os atores mais velhos.

 

Estava à espera de trabalhar mais em televisão? Sente-se desprezada?

Em termos profissionais nunca estive à espera disto ou daquilo, os projetos vêm ter comigo quando têm de vir, nunca ando atrás deles, não é do meu feitio. Até hoje nunca me senti desprezada, bem pelo contrário. Acontece que nem sempre posso aceitar as propostas de trabalho que me vão chegando, outras vezes são propostas de histórias ou personagens que não me motivam o suficiente, e disso tenho muita pena, mas ofertas de trabalho tenho continuado a ter.

 

Ao longo da sua carreira já sofreu com alguma crítica negativa?

Entre tanta coisa que fiz, devem ter sido inúmeras, mas não tive conhecimento delas. Mas se alguém tiver a generosidade e amizade de me tentar ajudar através de uma boa critica, construtiva, só agradeço.

 

Numa entrevista revelou ser “maníaca com a saúde”. Como tem lidado com a pandemia?

Sou de facto bastante cuidadosa e atenta, aposto na prevenção, assim deveria ser com todos, mas nem todos têm acesso fácil a médicos e exames periódicos. Os elevadíssimos impostos que pagamos deviam servir também para que toda a população tivesse um acesso mais rápido aos cuidados de saúde. Há pessoas que esperam mais de um ano por uma cirurgia, é trágico. Durante a pandemia tenho obedecido rigorosamente ao que nos é pedido, não só pelo cuidado que tenho com a minha saúde como pelo respeito pela de quem me rodeia

 

O que tem sido mais difícil para si neste último ano?

Aprender a viver sem fazer planos, cada dia um dia e ao ritmo possível, não ao meu. Uma aprendizagem difícil mas muito útil. Custa-me bastante não poder estar perto dos amigos quando quero e abraçá-los e beijá-los. Também me têm feito muita falta as idas a espectáculos, a exposições e outros acontecimentos culturais ao vivo.

 

Sempre foi muito ativa. Estar “fechada” é algo que a tem incomodado?

Adoro estar em casa, curto a casa como curto a praia, a proximidade da natureza, mas gosto de receber amigos e isso raramente tem sido possível. E claro, gosto de estar em casa mas gosto de sair quando me apetece e para onde me apetece e isso tem-nos sido vedado. Mas tenho, felizmente, uma boa capacidade de adaptação. Embora com altos e baixos no meu estado psicológico, tenho-me aguentado bastante bem.

 

O que é que a idade lhe trouxe de bom?

Não vou repetir os mesmos lugares comuns de sempre, na verdade nem todos ganhamos sabedoria e conhecimento com a idade, a mim tem-me trazido um maior entendimento dos outros, menos pressa de chegar, mais facilidade em relativizar certas situações.

 

Como imaginou ver-se aos 71?

Não tenho por hábito projetar-me muito no tempo, vou fazendo o meu caminho tentando ampliar o meu nível de consciência, aprendendo a cuidar melhor de mim e dos outros, de forma a poder ter um fim de vida tranquilo. Mas não se comanda tudo… não vou sozinha ao leme da minha vida e não sei o que me reserva o futuro.

 

Quais são os seus segredos para se manter em tão boa forma e com uma aparência jovem?

Não há segredos. Estar em paz comigo e com a idade que vai avançando sem a rejeitar, cuidados com a saúde física que inclui alimentação equilibrada, diminuir os excessos, exercício físico e mental, trabalho espiritual, manter o espírito aberto e curioso, dar e receber amor/amizade.

 

Foi educada à maneira antiga com rigor, e nem sempre conseguiu exprimir as suas opiniões. Que segredos guarda nos seus diários da sua juventude? Foi assim que nasceu a sua paixão pela escrita?

Apesar de ter tido uma educação rigorosa, nunca deixei de exprimir o que pensava e a escrita tem sido também uma boa forma de o fazer.

 

Depois de Sexo Inútil para quando um novo livro? No que se irá basear?

Ainda não sei. Neste momento ainda não consigo fazer planos, pouco tenho conseguido escrever.  Mas tinha um livro para terminar e que está quase pronto. Ainda é cedo para falar dele.

 

Texto: Telma Santos (telma.santos@impala.pt); Fotos: Divulgação

PUB