O sonho americano! Entrevista ao ator português que participa em êxito da Netflix

Dinarte de Freitas rumou aos anos 80 na cena da de Stranger Things em que participa. À TV 7 Dias, o português revela como foi a experiência e conta tudo sobre a realidade que vive nos Estados Unidos.

01 Jan 2020 | 9:55
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(entrevista originalmente publicada em agosto de 2019)

A caminhar para os 40 anos de vida, 23 dos quais dedicados à arte de representar, Dinarte de Freitas celebra agora a colheita de novos frutos daquilo que tem vindo a semear, nas últimas quase duas décadas, nos Estados Unidos. Nascido na Madeira, o ator pode ser visto na cena inicial do sexto episódio da terceira temporada da série Stranger Things, que a Netflix estreou a 4 de julho e na qual dá vida a um vendedor de cachorros quentes. A sua contracena é o britânico Cary Elwes.

Uma participação especial, é certo, mas que lhe pode abrir novas portas em terras de Tio Sam, admite o próprio em entrevista à TV 7 Dias. «Fui visto no mundo inteiro. Se vai abrir portas, não sei, mas que é um fenómeno mundial, é. Participar em séries como Stranger Things faz com que os diretores de casting tenham mais confiança no ator a que fazem uma audição», reconhece Dinarte de Freitas, que teve de «entender o mercado» em que está inserido para conseguir «abrir um novo mundo de possibilidades».

«Estava a viver em Los Angeles há quatro anos e queria entrar no mercado das séries norte-americanas. Então, apercebi-me de que Atlanta se tornou no centro das grandes produções, incluindo Stranger Things. A partir daí, entrar em Stranger Things passou a ser um objetivo. Mudei-me para Atlanta há três anos e imediatamente passei a ter acesso a castings que não tinha em Los Angeles», conta.

Não foi um processo imediato, salienta o ator. «Fiz castings para The Walking Dead, Ozarc, todas essas grandes séries da Netflix e de outras plataformas…», revela, acrescentando que, mesmo para Stranger Things, fez mais do que uma audição. Quando recebeu o ‘sim’, no último trimestre do ano passado, nem queria acreditar. «Estava em casa. Fiquei estático, mas muito contente. É estranho… O ator trabalha imenso para conseguir o papel, mas, quando o recebe, tem sempre aquele medo de o perder, de não ser verdade…», confidencia.

 

«Completamente surreal»

 

Chegado ao set de gravações, Dinarte de Freitas repetiu a sensação de incredulidade, quer pela dimensão estratosférica do cenário, quer pela viagem automática que fez à década de 1980, na qual se centra a ação da história criada pelos irmãos Matt e Ross Duffer: «Quando lá cheguei e vi uma feira recriada, foi surreal. Completamente surreal. O meu pensamento era: ‘Como é que eles conseguiram descobrir todos estes elementos daquela época?’».

Antes ainda de pisar aqueles estúdios, o português foi obrigado a assinar um contrato de confidencialidade, ou não fosse o segredo a alma do negócio (de milhões, tratando-se de produções da Netflix). Entre as diversas cláusulas, o acordo proibia coisas como «tirar fotografias no set e não partilhar o que quer que seja nas redes sociais».

O sigilo máximo exigido pela plataforma de streaming pode escalar mesmo para outro nível: «Muitas vezes, o próprio casting é de uma cena que não vai ser rodada no dia. Também acontece transformarem o título, para que não se saibam pormenores. Neste caso, contudo, sabia perfeitamente que era uma audição para Stranger Things.»

Estreada que está a terceira época da série, terá Dinarte gostado do resultado final da cena em que participa? «Gostava era de ter feito mais», atira, entre risos. «Há dias, o Nuno Markl fez um comentário no Instagram – e foi muito simpático da parte dele – dizendo que tinha ficado com a sensação de que a minha personagem se poderia desenvolver a partir dali. Oxalá tenha razão! Seria incrível», continua.

 

«Não tenho um plano B»

 

Dinarte de Freitas cedo teve noção de que teria de mergulhar pelas águas que circundam a Madeira para ser feliz, mesmo tendo de lidar com os vários nãos que a indústria norte-americana oferece, ou não fossem também vários os que lutam para vingar no outro lado do oceano Atlântico.

«Costumo dizer que não tenho um plano B. Só tenho o plano A, não tenho hipótese. Sempre tive o desejo de ser ator nos Estados Unidos. Recordo-me muito bem de, quando eu tinha seis anos, dizer à minha mãe: ‘Quero ir para a Califórnia’. Tinha essa perfeita noção», lembra o ator, que aprendeu sozinho a falar inglês, muito devido à ficção falada nesta língua que ia assistindo pela televisão.

O sonho é tal que «não vou abaixo com os nãos», garante Dinarte de Freitas, para depois completar: «Uso-os como uma forma de tentar perceber porque é que não consegui o papel ou em que posso melhorar. O segredo é nunca desistir. Ser ator é o que gosto de fazer e com isso vêm desafios. Claro que é difícil não ficar deprimido com os nãos, mas recebo um num dia e no outro já estou focado noutra coisa.»

Com mais nãos do que sins, o português assegura, todavia, que consegue subsistir financeiramente apenas do seu trabalho enquanto ator. «Grande parte do meu trabalho são anúncios de publicidade. Há três anos, fiz 14 anúncios para o Bank of America. Por cada vez que um anúncio vai para o ar, na televisão ou na Internet, o ator recebe o chamado residual. Portanto, vou recebendo esses residuais, que é o que me mantém à tona para me dedicar ao cinema e a televisão», confessa.

Entretanto, e indo uma vez mais ao encontro do sonho de infância, Dinarte ganhou no ano passado dupla nacionalidade: portuguesa e estadunidense. O processo foi «muito demorado, muito longo e muito chato» e foi desencadeado por outros fatores que não os burocráticos. «A cidadania norte-americana permite-me que continue a viver cá e possa estar fora do país sem limites de tempo. O sonho era viver nos Estados Unidos, sim, mas sempre com a dupla nacionalidade. O meu Portugal é o meu Portugal. É ter o melhor de dois mundos», abrevia.

 

«É muito difícil ter uma família»

 

A viver nos Estados Unidos desde 2002, Dinarte de Freitas confessa que, embora não faça parte dos seus planos, «gostaria de já ter uma família aos 40 anos». «Ainda me sinto um miúdo de 27 anos. Na minha cabeça, sinto que ainda não estou estabilizado o suficiente a nível financeiro. É muito difícil ter uma família cá», defende.

 

Texto: Dúlio Silva

 

(artigo originalmente publicado na edição nº 1890 da TV 7 Dias)

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