EXCLUSIVO: Carlos Areia: «Ainda sou muito ingénuo»

O ator confessa sentir-se desiludido por viver ainda num mundo do «faz de conta», onde a idade já lhe trouxe dissabores.

05 Dez 2017 | 12:04
-A +A

Carlos Areia foi desde sempre um ator acarinhado pelo público. talvez pela ingenuidade que ainda admite ter… No teatro ou na ficção nacional, a sua veia humorística tem conquistado plateias há mais de 50 anos.

Mas, se na vida de artista se registam momentos felizes, outros tantos menos bons ficam por revelar. Cansado de viver essa realidade, Carlos Areia deu uma entrevista a Daniel Oliveira, no programa da SIC, Alta Definição, onde abriu o seu coração para as dificuldades financeiras e profissionais que atravessa. 

Agora à TV7Dias, Carlos Areia expressa a desilusão face à escassez de oportunidades profissionais que têm conduzido a sua vida à pobreza e confessa ter sido “colocado de lado” por colegas de profissão. 

Por que sentiu necessidade de expôr a sua situação? 

Eu senti necessidade não de expôr o meu caso mas de servir de exemplo. Alertar consciências. Isto passa-se com muitos colegas. 

Eu quis dizer à sociedade em que vivo e trabalho como é que estou e por que é que estou assim. Mais eu disse, mas ainda bem que não foi para o ar. 

Como por exemplo?

Tinha a ver com política em televisão e o Daniel achou por bem não editar aquilo porque ainda vivemos num país de «faz de conta». «Faz de conta» que está tudo bem, «faz de conta» que entedemos. O que fiz foi apontar o que acho que se passa a nível das estações [televisivas]. As escolhas dos elencos, a forma como o fazem, sem ter, por vezes, o cuidado com a qualidade do produto. Não interessa se o ator ou a atriz são bons, tem é que ser rentável. Como contratam aqueles atores têm de os pôr a trabalhar.  Isso é mau e reflete-se no produto. Os elencos repetem-se e, a nível de público, até cria uma certa confusão. 

Toda a gente vê isto menos os responsáveis. E, depois, não haver trabalho para pessoas de idade, que é aquilo que me faz confusão. Hoje pões um bigode fazes de pai, depois pões uma cabeleira fazes de avô e mais um bocadinho pões uma saia travada e fazes de tia. E eu, e muitos atores, estamos sem trabalhar porque, pronto, é uma política. 

“Não há papéis para atores de 60 anos”

Alguma vez recebeu algum comentário menos positivo a nível profissional?

Por acaso uma vez ouvi um comentário de um colega. Não vou dizer quem, mas merecia que o dissesse. Ele depois ocupou uma posição de diretor de projeto, ou coisa assim, e  um dia teve a lata de dizer: “não há papéis para atores de 60 anos”. Isto não cabe na cabeça de ninguém… Esse colega deve pensar que vai ficar eternamente jovem… 

Como se sente perante tais comentários? 

Triste por ainda existirem pessoas que pensam desta maneira. 

Considera-se um artista completo?

Não, nunca. E quem o sentir está errado. Nós passamos a vida a aprender. Eu, hoje, com 73 anos continuo a aprender. Completo não, mas sinto que cumpri o meu dever enquanto trabalhei em televisão e teatro. Fiz tudo para cumprir com o meu dever profissional, isso tenho consciência que sim.

«As pessoas têm mais admiração por mim»

Como a Rosa Bela reagiu a toda esta polémica originada em torno da entrevista dada no programa da SIC?

Ela não reagiu mal porque, mais do que ninguém, conhece a realidade. Ela nunca foi da opinião de que eu me expusesse desta maneira, mas depois percebeu que tinha de haver uma altura em que tem que se dar o chamado «grito do Epiranga». Mesmo que isto não mexa com mais nada, mexeu com muitas consciências, foi muito bom. 

Depois de revelada a sua realidade, como é que as pessoas passaram a abordá-lo?

As pessoas sempre me abordaram bem e trataram bem. A partir desse momento, melhor ainda. Têm admiração por mim. O grave é que não é só comigo, passa-se com muitos colegas meus e eu gostava que isto acabasse. Não sei quando isto se resolverá. Eu resolvo de qualquer maneira, basta que me dêem trabalho.

Já recebeu alguma proposta profissional?

Não, por acaso não. Aliás eu disse à Rosa: não vai mexer. As pessoas não ligam, não dão importância, não têm consciência. Eu sinto que há muita incompetência. Há uma grande dose de incompetência, é preciso dizê-lo. Há muitos incompetentes que não entendem nada daquilo [ficção nacional], não entendem nada de espetáculo, estão ali só a defender os seus postos de trabalho, os seus altos cargos e os seus altos ordenados e não olham para o lado nem para ninguém. Só olham para o umbigo deles. Esta é que é a verdade!

«Fui convidado para um filme»

Que projetos profissionais tem em mãos?

Estreei este espetáculo [Quero ir p’rá ilha] ainda não há um mês, tenho a Comédia em carteira que já estreámos. Para já, posso dizer, não é segredo, fui convidado para um filme, muito antes de toda esta polémica. Vai arrancar em março, uma longa metragem, com malta do Norte.

Há algum papel que o Carlos gostasse de fazer?

Houve uma vez um colega, Marco António del Carlo, que disse que um dia gostava de fazer comigo Shakespeare. Não na maneira tradicional, mas gostava de pegar um ator assim como eu, mais popular. Eu adorava fazer Shakespeare neste meu registo mais ligeiro. 

«Quando não trabalho sinto-me mesmo mal»

Conte-me um pouco da sua rotina diária…

Quando estou em casa o meu dia é passado a escrever porque como tenho três espetáculos com esta produtora, estou sempre a tentar inovar. Tenho sempre o que fazer. Ou leio ou escrevo. É o que eu faço em casa mas falta-me aquele trabalho real. Não é que o trabalho de casa não seja um trabalho intelectual mas eu preciso de gravar, de estar em palco. Faz parte do meu ADN, aliás, eu quando não trabalho sinto-me mesmo mal. Tenho de estar ocupado. Tenho que inventar, eu às vezes estou a escrever para deitar fora, só para estar ocupado mesmo. 

Este ano, como vai ser passado o Natal?

Eu nunca liguei ao Natal, mas respeito as pessoas que estão ligadas a mim que dão valor a isso, então partilho com eles o Natal. Eu vou passar com os pais da Rosa, vamos passar todos em família. 

A Rosa Bela liga a esta época do ano?

A Rosa liga porque veio de uma aldeia e nas aldeias ainda «curtem bué», como se diz agora. Tenho passado o Natal com amigos e família, mesmo não ligando muito estou lá. 

Voltar a ser pai está nos planos

Desejos para 2018…

Não tenho grandes desejos. Saúde, especialmente para a minha família e para mim. E trabalho, mais nada!

Voltar a ser pai está nos planos?

Já falámos muita vez sobre isso. Eu adorava e a Rosa gostava ainda mais do que eu, mas temos consciência de que nos tempos que correm… até mais para ela, em princípio de carreira, não é a melhor altura. Já falámos várias vezes, pode ser que aconteça.

Já referiu várias vezes não ter sido um pai presente no passado. Acredita que, desta vez, seria um pai diferente?

Claro, vou tentar dar aquilo de que um filho precisa e que eu sei, porque já tenho a minha experiência com os netos. Com os meus netos eu tenho muito mais cuidado, mais atenção do que a que tive com as minhas filhas. Tento de alguma maneira compensar, apesar de ter consciência de que não serve de nada.

O que mudou no Carlos pai para o Carlos avô?

Mudou tudo! Tenho mais cuidado com as pessoas, tenho mais atenção com os filhos, com os netos. Tenho a minha Cristina, com 50 anos, e falo com ela como se fosse uma menina. Ou a minha Dulce. A idade dá-nos mais ensinamentos.

«Sou uma pessoa honesta, verdadeira, muito boa pessoa»

O Carlos é feliz?

O conceito de felicidade é vago. Podes ser feliz das cinco às seis e depois às nove horas estás muito infeliz. Tenho grandes momentos de felicidade, ter um grupo de amigos e uma família como eu tenho, ter uns netos como eu tenho, as minhas filhas… Por aí sou muito feliz. 

Como é que o Carlos se carateriza como pessoa e profissional?

 

É difícil falar de nós. O que penso de mim é que sou uma pessoa honesta, muito verdadeira. Ainda sou muito ingénuo. Tenho uma carga de ingenuidade muito grande, o que me prejudica. Acho que sou muito boa pessoa, só isso.

Texto: Marisa Simões

PUB