GNR candidato às legislativas recorda tragédia: «cheguei a passar fome»

Em 2008, Hugo Ernano matou um jovem de 13 anos durante um assalto. O militar da GNR cumpriu pena e, agora, quer chegar ao poder para melhorar as condições de trabalho, principalmente na Polícia.

04 Out 2019 | 20:10
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Se, em 2008, lhe dissessem que, um dia, se iria dedicar à política, provavelmente não acreditaria. Afinal de contas, era apenas um militar da GNR a tentar viver a sua vida e a tentar proteger a dos outros. Mas uma má decisão de terceiros, três minutos e meio e um solavanco bastaram para que toda a sua realidade mudasse.

Hugo Ernano é hoje cabeça de lista no Porto, pelo partido Chega para as Legislativas, mas até chegar aqui passou fome, perdeu a casa e temeu pela sua vida. À TV 7 Dias, este GNR fala sobre o seu projeto político e recorda, ainda, o 11 de agosto de 2008, o fatídico dia em que, no exercício da sua função, matou um jovem.

Convidado por André Ventura para ser candidato independente às Legislativas, no círculo do Porto, nas listas do Chega, Hugo Ernano não hesitou em aceitar, muito embora tenha sido sondado por outras cores políticas. O facto de ser um partido novo e de ter um amigo como líder do mesmo foram fatores importantes na altura de dizer ‘sim’. Aliando isto ao seu reconhecimento público, derivado do episódio que passou em 2008, Hugo Ernano aceitou o convite.

«Costumo dizer que toda a minha situação me levou, infelizmente, a ser reconhecido pelas pessoas. Eu perdi a minha casa, o carro, só não perdi a minha identidade. E foi isso que sempre me deu resiliência para lutar por algo com o qual não me conformava. E este projeto é isso. (…) O produto é a minha mentalidade, é aquilo que pretendo que se mude em certas vertentes para poder dar o melhor ao cidadão», começa por referir o militar, esclarecendo mais pormenorizadamente alguns pilares em que assenta o seu projeto.

«A minha luta é pelos médicos, enfermeiros, bombeiros, pelas forças de segurança e pelos cuidadores. (…) O Estado português tem de acautelar e saber o que fazer para nos providenciar o que precisamos para trabalhar, porque nós somos a cara da Constituição da República. E é isso que faz o meu projeto, uma grande gestão de recursos humanos. É completamente impossível, por exemplo, nas forças de segurança, todos os anos saírem dois mil agentes e só entrarem 300. Claro que não vamos conseguir dar ao cidadão o que ele pretende.»

A complementar a gestão do trabalho dos recursos humanos, Hugo defende ainda, para todas as áreas profissionais, a implementação de um «psicólogo do trabalho que possa, a longo prazo, fazer uma vigilância próxima, perceber o que é necessário. Por exemplo, na GNR, nós temos 25 psicólogos, não estão é a ser bem usados, estão a fazer funções diferentes daquelas que estudaram para estar a fazer e isso não pode acontecer».

 

«Há crimes praticados por crianças que não são crianças»

 

Este militar, que agora se encontra sob a alçada de uma licença especial da GNR para poder fazer campanha política, pretende ainda a alteração do código penal num ponto muito específico: «Há crimes praticados por crianças que não são crianças. Se têm mentalidade para fazer o mal, têm de ser responsáveis por ele. Se, hoje em dia, um miúdo com 16 anos pode tirar a carta de condução, então também pode ser preso».

Do lado do apoio social prestado pelo Estado à população carenciada, Hugo considera que tem havido uma má gestão dos dinheiros públicos e que todo este trabalho tem de ser revisto. E ainda que os polémicos comentários proferidos por André Ventura a respeito da comunidade cigana não são mais do que um grito por igualdade.

«Têm de ser incutidos deveres para que possam receber os benefícios que têm. Não existe racismo. O que o André disse é a pura da verdade. Não pode haver benefícios para pessoas que recebem tudo e não dão nada», defende. Atualmente em campanha, Hugo Ernano explica que, caso consiga ser eleito como deputado do Chega, terá de pedir uma nova licença «por quatro anos. Fico com dupla função. Nunca deixo de ser agente de autoridade, mas tenho de acautelar uma única coisa: qual é o ordenado que quero receber. O de agente de autoridade ou o de deputado, que é um bocadinho maior.»

Paulo… o rapaz que matou e que o salvou

O dia 11 de agosto de 2008 para sempre marcou a vida de Hugo Ernano, que foi condenado a quatro anos de pena suspensa e a uma indemnização de 55 mil euros pelo homicídio de um jovem de 13 anos. Hoje em dia já tem o cadastro limpo, mas na memória resta a recordação da vida que tirou, sem a consciência de o estar a fazer, e a revolta contra um pai que levou o filho para um assalto e que nunca foi punido pelo crime de exposição de menor a perigo.

«Toda aquela cronologia que se passou naquele momento, aqueles três minutos e meio que passaram desde o momento em que saí do jardim, fiz a estrada, ele tentou atropelar-me, eu segui-o, disparei para o ar, disparei para os pneus e depois atingi a criança, sem qualquer tipo de consciência, a única pessoa que poderia acautelar que isso não acontecesse nunca fez por isso. Ele nunca pagou pelo assalto, não pagou por me tentar matar, ele não pagou por nada. (…)», lamenta.

«Ele foi tão egoísta que, mesmo com o filho baleado, não parou para não ser apanhado (…) A fatalidade dele acontece por causa do comportamento dele. Eu adoto a minha postura e a minha atuação policial ao que ele fizer. Se ele pára o carro e sai do carro com as mãos no ar, eu não vou disparar», explica Hugo.

Esta foi a primeira e única vez que o militar disparou em serviço e, explica: «quando ia a disparar houve um solavanco que fez com que eu disparasse mais alto». Uma única bala bastou para que toda a sua vida mudasse, devido ao processo judicial interposto contra si na sequência dos acontecimentos. «Cheguei a passar fome nessa altura. Cheguei a tirar de mim para dar aos meus e isso é que é ser pai. (…) Perdi a casa porque tive de sair por questões de segurança. Balearam o meu carro à porta de casa. Não podia estar lá com os meus filhos. Então aluguei uma casa, muito rápido. Aconteceu também apanharem-me na estrada, carros sem matrículas irem atrás de mim. Irem ao restaurante da minha irmã e partirem um cocktail molotov à porta do restaurante. A sorte é que estava de férias. Mas tive também ciganos a virem ter Como é que posso julgar as pessoas todas da mesma forma?», desabafa, acrescentando ainda que os 116 mil euros que gastou na ação judicial só os teve devido à solidariedade do povo português.

E se foi Portugal que o salvou economicamente, as últimas palavras do jovem que tinha acabado de balear foram as que lhe deram ânimo para lutar pela sua inocência. Chamava-se Paulo o rapaz
que matou, o mesmo que, na realidade, o salvou: «Nunca disse o que é que o rapaz me disse quando eu estava a assisti-lo no chão. Não o fiz em tribunal e nunca o vou fazer. O que ele me disse fez-me lutar mais ainda. (…) Tenho a consciência tranquila, mas não consigo compreender como é que um pai consegue fazer aquilo que ele fez.»

Texto: Carla Ventura; Fotos: Nuno Moreira

(texto originalmente publicado na TV 7 Dias 1699)

 

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