Entrevista a Hugo Andrade: «A CMTV tem a sua linha editorial e nós temos a nossa»

Na sua primeira entrevista desde que integra a Direção de Programas da TVI, Hugo Andrade fala sobre o muito trabalho que tem pela frente. E pisca o olho a Vasco Palmeirim e a Filomena Cautela.

09 Mar 2020 | 18:50
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Quinze minutos de conversa bastaram para Hugo Andrade revelar, à TV 7 Dias, o que o motivou a aceitar o convite de Nuno Santos para integrar a Direção de Programas da TVI e como está a encarar este que considera ser «o desafio mais estimulante da televisão em Portugal».

Para isso, disse adeus à RTP, onde chegou a ser Diretor de Programas. De lá saiu sem direito a despedidas. Por opção própria. «Saí a uma sexta-feira. Não me despedi de ninguém», diz-nos, à margem do encontro que a TVI promoveu recentemente entre o elenco da sua próxima novela, Quer o Destino, e a Imprensa.

Sobre o que aí vem, Hugo Andrade escuda-se em Nuno Santos. Todavia, lá deixa escapar que a estação de Queluz de Baixo pretende apostar em programas exclusivos para o digital e que deve ser intenção da TVI apostar em caras novas. E garante, em jeito de crença, que não acredita que o facto de a Cofina vir a tutelar o canal espolete um fenómeno de mimetização à CMTV. Afinal, serão projetos «autónomos e distintos».

 

«Saí da RTP como se fosse de fim de semana. Senti que o meu ciclo tinha terminado»

 

TV 7 Dias – Tinha vindo a ponderar este convite nas últimas semanas. O que o fez aceitar?

Hugo Andrade – Bem, houve três coisas que para mim foram fundamentais. Antes de mais, o projeto. O projeto, para mim, é sempre a base das minhas decisões. Acho que a TVI é, de longe, nesta altura, neste ano e nos próximos, o desafio mais estimulante da televisão em Portugal.

Porque vai tudo mudar?

Porque vai mudar – o Nuno já iniciou um processo de mudança, que se vai acentuar – e porque, de facto, o mercado tem estado a mudar e este é, de longe, o desafio mais estimulante. Depois, porque tinha o Nuno Santos. É a quarta vez que trabalho com o Nuno e adoro trabalhar com ele. Somos muito amigos, mas, independentemente disso, temos uma sintonia profissional muito, muito grande. Terceiro: porque era a TVI. Tenho as minhas raízes aqui. Trabalhei dois anos aqui, na TVI, de 1992 a 1994. Portanto, fui um dos pioneiros da TVI. E guardei um imenso carinho durante estes anos todos pela empresa e pelas pessoas que fazem parte desta empresa. Isto foi uma espécie de voltar a casa. Eu sei que é um bocadinho estranho, porque já na RTP tinha acontecido a mesma coisa. Estes foram os três grandes motivos.

Pensou muito em voltar a casa.

Não, não pensei muito.

Sei que o convite não surgiu agora.

Não, não. Já surgiu há algumas semanas. Não demorei muito tempo a decidir.

Então o que demorou mais a formalização?

A formalização e, mais do que isso, há aqui um processo… Eu estive 31 anos na RTP. Portanto, há um processo de luto. Um luto saudável.

Estava a fazer o quê na RTP neste momento?

Estava à frente da Academia RTP.

Mas apresentou um programa de rádio.

Fiz, por brincadeira, cem episódios de um programa de rádio. Foi um desafio que o Rui Pêgo me fez na altura, para a RDP Internacional e na RTP Play. Mas isso foi uma brincadeira, porque eu não sou nem nunca fui radialista. Mas gostei imenso. Assim que o Nuno falou comigo a primeira vez, eu não hesitei. Ou seja, eu tomei logo a decisão.

Como foi sair da RTP ao fim de muitos e muitos anos?

Não foi difícil, por isso é que eu demorei algumas semanas. Ou seja, tive um processo de mentalização e depois saí a uma sexta-feira. Não me despedi de ninguém. Saí como se fosse de fim de semana. Achei que era a maneira mais fácil, porque se entrássemos num processo de despedidas e de falar com este e com aquele a coisa poderia tornar-se um bocadinho mais emotiva, mais pesada. Mas eu saio da RTP muito satisfeito. Muito satisfeito pelo que lá fiz, pelos amigos que lá deixei. Fiz lá tudo o que podia. Senti que o meu ciclo tinha terminado e eu acho que ainda tinha alguma coisa para lá. Felizmente, há mais pessoas que acharam. Portanto, juntaram-se duas oportunidades boas.

 

«Há resultados que mostram que o público ainda segue a TVI. Não é um deserto»

 

Foi nomeado Diretor de Conteúdos e Inovação da TVI. Em que consiste concretamente o seu cargo?

Como o próprio nome indica, vou olhar para todos os conteúdos da TVI, ajudar a formatar, fazer um controle de qualidade… Enfim, dar todos os contributos possíveis para que os conteúdos sejam melhores. Esse é o primeiro passo. O segundo passo, mais relacionado com a Inovação, tem a ver com os tempos que vivemos e com um pouco ao que eu me dediquei nos últimos anos, a parte de estudo, a tentar perceber como funcionam estas migrações de público entre digital e antena.

Esse é o grande desafio. Como é que se vai buscar um público que já se perdeu?

Não acho que seja obrigatoriamente ir buscar-se público que se perdeu.

É manter o que se tem?

É manter o que se tem e trabalhar para outros públicos noutras plataformas, trabalhar para mais públicos, não necessariamente na antena. Agora, não podemos é abandonar esse público que vê noutras plataformas e que vê noutros formatos. A TVI tem de estar com uma boa oferta em todas estas frentes.

Ou seja, a TVI pode vir a ter conteúdos exclusivos no online, programas próprios para o digital.

Penso que sim, claro que sim.

Mas estamos a falar daqueles programas de dez minutos que a TVI Player tem?

Não, não. Estamos a falar de outro tipo de programas. Há estudos que indicam, por exemplo, que hoje em dia a questão do tempo dos dez minutos de que falou já não são um problema. Nós vemos séries com episódios de uma hora na Netflix. Portanto, acho que o paradigma mudou. Agora, com quem é que eu me tenho vindo a preparar para esta vertente? Com miúdos. Tenho trabalhado muito com jovens, recém-formados, e tenho aprendido imenso. Espero agora conseguir pôr na minha atividade um pouco do que tenho aprendido com eles.

Isso significa que poderemos vir a ter novas plataformas no digital ligadas à TVI?

Acho que é um bocadinho cedo para falar nisso.

Mas é possível?

Sim. Acho que devemos encarar todos os cenários.

Uma plataforma de streaming como a que a SIC vai ter?

Enfim, volto a dizer que isso é possível. Não sei se será para já ou se será para mais tarde. A verdade é que nós não podemos abandonar esses públicos, correndo o risco de esses públicos não quererem saber da marca TVI.

Esse é um dos focos desta Direção: ir ao encontro desses públicos.

É. Ir ao encontro de outros públicos. E, claramente, isto não é segredo: voltar à liderança. Esse é o grande desafio.

 

«Claro que ajuda ter uma Cristina Ferreira. E um Fernando Mendes. E um Goucha»

 

Perdeu-se uma liderança de uma forma muito rápida. Reconquista-se essa liderança de uma forma muito devagar. Estão preparados para isso?

Eu gosto muito desses cenários, para ser franco. Gosto muito de trabalhar nesses cenários mais difíceis. Lá está, são mais desafiantes. Por isso é que disse que o principal [motivo para aceitar o convite] foi o projeto, o desafio. Tem de se acreditar. E eu acredito mesmo. Acredito que é possível a TVI voltar à liderança.

A curto ou a médio prazo?

A médio prazo. Não me pergunte agora o que são o curto prazo e o médio prazo, mas eu acho que esse é um processo em que, como disse e bem, para perder [a liderança] é rapidíssimo – o público é cruel – e muitas vezes sem um motivo óbvio. Muitas vezes é porque sim. E, para reconquistar, tem de haver confiança. Mas eu acho que na atual programação da TVI há programas e resultados que mostram que o público ainda segue a TVI. Não é um deserto.

Há muito para fazer na formatação de conteúdos?

Há, há.

Tem muito trabalho pela frente?

Sim, sim.

No Você na TV!, no A Tarde é Sua…

Em todos, em todos. Nestes processos, olha-se para a grelha, começa-se na segunda-feira às seis da manhã e acaba-se no domingo às cinco da manhã. Tem de se olhar para tudo.

Podemos esperar mudanças muito drásticas na grelha da TVI?

Essa pergunta devia ser feita ao Nuno Santos. Não creio que as mudanças muito acentuadas e muito drásticas sejam benéficas. Nós não podemos perder o que temos. Temos uma base muito boa, muito sólida. A TVI tem muitos apresentadores. Digo isto com vaidade até. A TVI é a maior televisão portuguesa do século XXI.

Quando estava na RTP, também pensava isso?

Pensava, pensava. Tenho de confessar uma coisa. A nossa vida é feita de aprendizagens. Aprendi imenso na RTP, depois aprendi muitíssimo nos dois anos em que estive na TVI. Dois anos, no início da TVI, que não foram propriamente anos de grande sucesso. Mas eu aprendi imenso.

Aliás, foi um período em que até se chegou a equacionar o fecho do canal.

Eu saí um bocadinho antes desse cenário. Voltando ao que estava a dizer, voltei nos anos seguintes a aprender muito com as experiências que tive na RTP. A RTP tem um posicionamento completamente diferente do da TVI. Confesso que durante alguns anos olhava para os meus concorrentes, digamos assim, e pensava: ‘Nesta fase, eu não gostaria de trabalhar na TVI.’

Houve um momento em que a TVI se acomodou na liderança?

Não sei. Não gosto de fazer análises vistas de fora, porque normalmente não são justas. A verdade é que liderou e bem durante 14 anos. Volto ao que disse antes: gosto mais de cenários mais difíceis, gosto de trabalhar em tempos de crise, gosto de trabalhar em projetos mais difíceis, aparentemente mais complexos. Porque são muito mais desafiantes, puxam mais por nós e criam uma coisa muito boa, que é um enorme espírito de equipa. Quando as coisas estão a correr menos bem e começar a correr um bocadinho melhor, ganham-se grandes equipas. Esse é um dos meus objetivos também. Ajudar a criar uma equipa que volte a ter a mesma determinação.

E estão preparados para que isso demore?

Claro.

Estão preparados para não estar na liderança nos próximos meses, nos próximos anos?

Esperemos que não sejam muitos anos, mas sim. Não se faz nada para amanhã.

Os conteúdos são tudo num programa de televisão ou também há apresentadores que o ajudam? Uma Cristina Ferreira, por exemplo…

Tenho uma forma de pensar. Acho que o formato é sempre mais importante do que o apresentador. Há exceções. E são claras. Há pessoas que trazem mais público. Posso dar exemplos.

Cristina Ferreira.

A Cristina, o Fernando Mendes, o Ricardo Araújo Pereira…

O que não significa que não tenham bons conteúdos. São uma marca, é isso?

Sim. Eles arrastam os conteúdos por eles. Mas, na grande maioria dos casos, os conteúdos são mais importantes do que os apresentadores. Ou são tão importantes como os apresentadores, os autores. Autores, não disse atores. Mas também os atores. É preciso trabalhar melhor os argumentos, a estética… Hoje em dia isto é muito rápido. Muda tudo muito depressa, porque a tecnologia depressa, porque cada miúdo que sai da universidade ou do liceu já tem uma câmara fotográfica e faz coisas para as quais nós olhamos e dizemos: ‘Mas nós na televisão ainda não fazemos isto’. Temos de fazer. Temos de, devagarinho, entrar naquilo que é a narrativa, a estética atual das coisas.

Mas ajudava ter uma Cristina Ferreira.

Claro. E um Fernando Mendes. E um [Manuel Luís] Goucha.

É desta que Fernando Mendes vem para a TVI?

Não faço ideia. Volto a dizer: aqui, sou um membro da equipa, estou mesmo a começar. O Nuno é que tem – e muito bem – desenhado na cabeça dele a estratégia. Até estou agora a começar a entrar um bocadinho no ritmo.

 

«Ainda não tratamos de tudo nem nada que se pareça.»

 

Como está a ser voltar a pertencer a uma Direção de Programas? Na RTP foi Diretor de Programas…

[Interrompe] Mas também fui adjunto, fui subdiretor.

… O último cargo que teve na RTP foi o de Diretor de Programas. Como está a ser voltar a esta rotina?

Está a ser muito tranquilo. As pessoas que têm determinadas funções têm-nas porque têm determinadas características. É evidente que se, aos 25 anos, me dissessem se eu queria ser diretor de qualquer coisa, eu diria que não. Porque era imaturo, porque ainda não tinha aprendido o suficiente… Hoje, com a idade que tenho e com a experiência que fui adquirindo, não me é nada estranho. Aliás, nós adquirimos uma capacidade de decisão muito grande. No nosso meio e em todos, pior do que uma má decisão é uma indecisão. Temos de decidir. Nesta indústria, temos de decidir logo. Há muitas situações que não podemos decidir com tempo, mas estamos habituados a isso e treinados para isso. Essa parte não me é estranha.

E os seus colegas de direção?

Já conhecia grande parte da equipa do Nuno e, portanto, também não me foi estranho. Fui muito bem acolhido na TVI. Quase que parecia que já lá estava há algum tempo.

Há pouco falávamos nos rostos. Há espaço para caras novas na televisão?

Tem de haver.

E esse é um dos objetivos da TVI?

Tem de ser. Estou a dizer-lhe que tem de ser porque estou há 48 horas na TVI, com projetos como este a arrancar, e ainda não tratamos de tudo nem nada que se pareça. Mas tem de ter. Não é só na TVI. Acho que a televisão portuguesa tem de se renovar. Isto são ciclos. E, de facto, não tem havido muita renovação. Se pensarmos um bocadinho, de vez em quando, aparece uma ou outra pessoa… Posso dar dois exemplos da RTP: o [Vasco] Palmeirim e a Filomena [Cautela].

Gostava de os ter aqui?

Todos os bons profissionais, não só apresentadores… Toda a gente gostava de os ter.

Têm lugar na TVI?

É isso que não sei. Ainda é muito cedo para responder a isso e volto a dizer que sobre isso o Nuno é que a pessoa indicada para responder.

Está prestes a concretizar-se o negócio de aquisição da Media Capital, que tutela a TVI, pelo grupo Cofina. A linha editorial que os meios da Cofina têm vai, de alguma forma, influenciar a TVI que vemos hoje?

Não creio. A CMTV tem a sua linha editorial e nós temos a nossa. Não creio que se confundam. Acho que não seria bom.

Vão ser projetos completamente distintos?

Sim, sim. Autónomos e distintos. É o que eu acho que faz sentido.

 

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Texto: Dúlio Silva; Fotografias: Zito Colaço e reprodução redes sociais
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