O Tio, nascido no Instagram em julho, catapultou Jel (nome artístico de Nuno Duarte) novamente para a ribalta. Não a tradicional, da televisão, onde nasceram personagens como os Homens da Luta e outras tantas como Carlinhos, o Machista Gay, o Ruce, mas a das redes sociais. «Esta personagem do Tio, que foi uma criação espontânea, apresentou-me a uma geração que não me conhecia.»
Um fenómeno que já produziu frutos, como o primeiro single, Sal Grosso, e uma digressão. «Tudo isto que me tem acontecido nos últimos três meses está a deixar-me espantadíssimo», admite Nuno Duarte, «Antes, eu até tinha a minha vida bastante programadinha. Tinha a minha produtora a funcionar bem, com os meus documentários, andava a fazer curadoria dos palcos de comédia, stand up, sem estar a pressionar-me muito e, de repente, cai este Tio aos pontapés e está a virar-me tudo do avesso!».
Nuno Duarte completa 45 anos em 2019. O Tio é um quarentão que se veste sempre de calções de praia, camisa estampada e aberta, usa pulseiras e colares e dança ao som de músicas dos anos 90. «Se calhar o Tio é a minha crise da meia idade. E, se for, ainda bem que ela veio. O Tio faz-me sentir jovem, embora eu nunca me tenha sentido velho. Mas a verdade é que eu vou fazer 45 anos. Não vou para novo mas a libertação que me traz, a completa imunidade ao ridículo que tenho tido», admite.
«Sal grosso», expressão usada por esta nova personagem, que Jel considera ser a mais orgânica ao ponto de a considerar o seu «alter-ego» nasce num momento crucial da vida do humorista. «Isso vem do amor. Quando tens amor à tua volta, isso dá-te a confiança para fazeres o que te apetece. Quando estás mais carente, é mais fácil ficares no teu cantinho e engolires o instinto. Estás ali no armário, com medo do que os outros vão pensar.»
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E, tal como os Homens da Luta, a dupla que formou com o irmão Vasco e que se tornou um elemento fulcral nas manifestações contra a austeridade, Nuno Duarte explica que este Tio é fruto de uma força que considera «revolucionária». « ‘Sal grosso’, de repente torna-se uma expressão em que toda a gente pode ver tudo ali e o Tio não é moralista. Assume as questões de frente, dá as suas dicas e conselhos ligados àquilo que eu acho que é a coisa mais forte e com maior potencial de mudança positiva, a alegria. A alegria é uma força revolucionária, tanto que o Tio já tinha feito uma música para o Festival da Canção chamada A Luta é Alegria. Para mim, a alegria é algo que gosto de cultivar em mim. O Tio é fruto disso», esclarece, dizendo ainda que essa alegria, por vezes, é olhada com desconfiança.
«E eu acho que, por consequência disso, às vezes somos um país um bocadinho insosso. Onde a insossez é muito valorizada, gostamos da coisa mais ponderada. E o Tio é o oposto disso. É o sal grosso em bruto, que sai do instinto».
«Nunca mais tive um convite para fazer comédia em televisão»
Desde o fim dos Homens da Luta, em 2013, Nuno Duarte tem estado afastado dos palcos e da televisão, tendo-se dedicado à produção de documentários. É o responsável pelo documentário sobre os Pop Dell’Arte e pela série documental da SIC Radical Como Isto Anda. Na era das redes sociais, Jel não pensa no imediato num regresso à televisão. Não só porque, tal como explica, nunca mais teve convites mas também porque, a avaliar pelo meio milhão de visualizações de Sal Grosso, a música que criou em parceria com os Karetus, talvez já não precise da Caixinha Mágica.
«Desde que acabaram os Homens da Luta nunca mais tive um convite para fazer comédia em televisão. Acho que ficaram traumatizados (risos)», brinca. Mais a sério, Jel admite que talvez não haja «espaço» para a «loucura» que representa. «O Tio talvez seja um bom teste para isso», pondera.
Nuno Duarte tem sido responsável pela curadoria do palco comédia do Festival Nos Alive. O humorista confessa que se sente inspirado por uma nova geração de humoristas que, não tendo nascido graças à televisão, trilha o caminho de forma independente.
«Este tipo de malta já não papa esses grupos. Trabalha para um público específico, que os segue nas redes, com quem eles têm um contacto direto e são completamente independentes. Essa, para mim, é a lição número 1». Questionamos Jel se, no tempo dos Homens da Luta teve,de «papar grupos».
«Não. Connosco aconteceu algo excecional. Quando passámos para a televisão generalista foi um acidente, porque nós éramos um programa com muito sucesso de nicho. E, de repente, quando se deu a crise, ali em 2009, 2010, os nossos personagens viram-se no centro de um furacão», relembra. «Nós vestimos a camisola dos que protestavam e os que protestavam viam em nós um género de símbolo desse protesto». Primeiro, como rubrica no programa Gosto Disto!, de César Mourão e, depois, com um formato em nome próprio, Sábado Há Luta, Nuno Duarte tem uma certeza: «nunca se foi tão longe em termos de humor político. Nós entrávamos com strippers em ministérios. Eu entrei de mota no ministério das finanças e isso só foi possível por causa das circunstâncias de crise. Para o bem e para o mal, marcou-me e explica uma ausência minha na comédia televisiva. O pessoal tem um bocadinho de receio ‘o que é que este maluco vem aqui fazer?’. Mas eu também aprendi a viver com isso e, felizmente, hoje, há a hipótese de fazer as coisas sem precisar de 3 ou 4 pessoas que, com todo o respeito, não representam as pessoas».
Nos últimos meses, mesmo antes da explosão do Tio, Nuno Duarte fez um regresso discreto ao stand up comedy, em alguns espectáculos ao lado do irmão Vasco. Uma relação que se mantém forte mas que teve momentos de tensão no apogeu dos Homens da Luta.
«Na fase final já estávamos muito cansados e houve uma altura em que chocávamos muito. Também estávamos a trabalhar muito. Já discutíamos por tudo e por nada. E a necessidade de acabarmos os Homens da Luta também se deveu bastante a isso, para preservarmos a nossa relação. Hoje temos uma relação ótima. Sempre tivemos mas, ali, naquela altura, o excesso de trabalho estava a rebentar connosco», relembra.
E, como o tempo passa, Nuno Duarte dedicou-se a outro papel nos últimos sete anos, o de pai. A filha, Beatriz, como o próprio admite «tem sal grosso». «A minha filha anda maluca com o Tio! Ela tem sal grosso, tem salero. Antes era a filha dos Homens da Luta, agora é a filha do Tio. Foram precisos seis anos para mudar o chip. E sem pensar em nada. Ela ri-se e gosta», explica, orgulhoso.
Texto: Raquel Costa | Fotos: Zito Colaço | Agradecimentos: Parque dos Poetas – Câmara Municipal de Oeiras
(texto originalmente publicado na TV 7 Dias 1701)