José Carlos Malato confessa: «Chegada a idade adulta comecei a perceber que era maricas»

José Carlos Malato abriu o coração e fez confissões sobre o passado marcado por violência física e psciológica.

16 Out 2019 | 14:00
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José Carlos Malato, de 55 anos, esteve esta terça-feira, 15 de outubro, à conversa com Tânia Ribas de Oliveira, no programa A Nossa Tarde, da RTP1, revelando um passado marcado por violência física e psicológica, pelo bullying e pela discriminação.

O apresentador de televisão abriu o coração para falar de uma infância feliz, de uma adolescência marcada pelo bullying, a rejeição, o desprezo, as agressões e os insultos e uma vida adulta em que reconheceu a sua verdadeira essência e aceitou quem, realmente, era, sem medos e vergonha.

José Carlos Malato começou por referir a «infância extraordinária» em que viveu «sempre muito protegido e feliz». Acarinhado por aqueles que estavam à sua volta, nomeadamente a família, o comunicador tinha as bases certas para ser feliz e conseguir atingir os objetivos e sonhos que já tinha em mente.

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Aos seis anos, o apresentador sentiu que a sua vida poderia sair daquele mundo perfeito a que estava habituado quando foi “obrigado” a encarar a realidade com outros olhos, ao tornar-se Testemunha de Jeová. «Fui para a escola muito antes do 25 de abril. Nessa altura, com seis anos de idade, por via da minha mãe tornei-me Testemunha de Jeová e, portanto, começou uma vida um bocadinho complicada por via da religião, que não me deixava fazer tudo».

«Comecei a lidar desde muito novo com o sentimento de culpa, porque eram valores que não eram propriamente para a minha idade. Valores como a morte, como o pecado. Uma vida com uma não violência ao mesmo tempo. Mas sobretudo a ideia de que nós não fazemos parte deste mundo», conta.

Bullying na adolescência: «Tinha medo de ir para a escola que eu chegava a vomitar»

Passada uma infância feliz, foi na chegada à adolescência que «as coisas começaram a descambar». «Eu era um miúdo muito sensível, que não gostava de desporto, que preferia a companhia das raparigas, que tinha alguns tiques meio afeminados, que não tinha o padrão que os rapazes tinham», revela.

«Eu passei, desde o início do quinto ano, a ser excluído, a ser discriminado, e era uma coisa que eu não estava habituado porque eu era, normalmente, a jóia da coroa, o escolhido, o querido, o bonito, a família gostava de mim, as pessoas gostavam de mim», acrescenta.

Para José Carlos Malato era difícil perceber o comportamento dos colegas de escola. Foi aí que surgiram questões como «O que é que eu tenho de mal» e o « O que eu tenho de diferente?», uma vez que acreditava nada estar errado consigo.

Bom aluno, a vontade daquele menino de saber sempre mais e aprender era mais que muita. Mas, na verdade, essa começou a ser a única razão que o motivava a não desistir da escola e, assim, pôr termo ao sofrimento.

«Uma das vezes atiraram-me por uma escada abaixo e eu parti um braço»

«Eu comecei a ser agredido verbalmente, como maricas. Vou dizer a palavra “paneleiro”, enfim, e que eram palavras que eu nem sequer sabia o que eram», confessa.

Dos nomes menos bonitos e insultuosos até às agressões foi um passo, muito pequeno por sinal. Por ser rapaz era lhe “exigido” que tivesse um comportamento mais físico e forte, mas tal não acontecia. E aí a vida do apresentador piorou.

«Não estava minimamente preparado para andar à porrada, para brincar com os miúdos, não sabia jogar à bola. Lembro-me que quando tinha que jogar à bola nas aulas me punham à baliza, porque eu era gordo. E mandavam-me petardos para eu gritar e fugir. Eram coisas terríveis», recorda.

«E depois começou um tipo de violência física que era muito forte. Quando há um mais fraco eu era um bocado o bombo da festa. De facto, eu apanhava sempre. Uma das vezes em que tive um desses desaires, atiraram-me por uma escada abaixo e eu parti um braço», menciona.

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Sem contar à família que sofria de bullying, José Carlos Malato assume que «tinha tanto medo de ir para a escola» e «chegava a vomitar antes de entrar nas aulas».«Não ia dizer ao meu pai e à minha mãe, há 40 anos atrás, “olhem eles dizem que eu sou maricas, por isso batem-me e fazem-me mal”, conta, afirmando não se sentir à vontade para fazê-lo.

Só percebendo que «era diferente» porque lhe diziam que era diferente, o apresentador começou a entender que teria de reagir, uma vez que a sua autoestima «estava a ser completamente delapiada e destruída com aquelas pessoas e aqueles medos».

«Eu comecei a mudar a minha atitude e a minha maneira de ser. Punha-me ao espelho, sozinho, a tentar não falar com as mãos assim, a tentar ter uma voz mais grossa, tentava não me assustar. Treinava o andar. Mas sobretudo era uma forma de me treinar para nao ser agredido… mas não resultou», ia explicando.

«Já chegada a idade adulta eu comecei a perceber que, de facto, era maricas»

Sobre a aceitação da sua orientação sexual, José Carlos Malato referiu ter tentado ter namoradas, mas depressa percebeu que «não havia nenhuma espécie de atração». «Já chegada a idade adulta eu comecei a perceber que, de facto, era maricas», afirma.

Assumindo a sua homossexualidade, o apresentador começou a sentir-se orgulhoso, por aceitar quem realmente era, sem medos e longe da “normalidade” que a sociedade assumia. «Ao invés de fazer com que eu tivesse vontade de me mutilar ou de fazer mal a mim próprio, por não conseguir ou não ser, eu comecei a desenvolver um certo orgulho», diz.

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No entanto, o caminho foi longo até que o sofrimento, causado pela violência física e psciológica que sofria, se dissipar. «Tentei construir um ego à prova de bala sob uma autoestima em ruínas. E isso é uma coisa terrível para um miúdo ou para um rapaz ou uma rapariga», confessa.

Irmã abandonou os estudos por, também, sofrer de bullying

Apesar de José Carlos Malato nunca ter abandonado a escola, mesmo sofrendo os abusos que sofria, a irmã Sandra Malato não teve tanta sorte.

O facto de ter um porte físico mais forte fez com que esta fosse, também, vítima de bullying, não aguentando a violência que sofria e desistindo, assim, de alguns sonhos, aos 14 anos.

Para o apresentador, que recebeu a chamada da irmã no programa, esta é o seu principal pilar e uma das pessoas que mais ama no mundo. «A minha irmã é a mulher da minha vida e eu sou o menino dos olhos dela», admite.

Texto: Marisa Simões; Fotos: DR
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