José Milhazes conta o que Clara de Sousa lhe disse após asneira polémica em direto na SIC

“A guerra que vá para o cara***”. José Milhazes disse esta frase em pleno “Jornal da Noite”, na SIC, e revela agora qual foi a reação de Clara de Sousa nos bastidores.

03 Jul 2022 | 20:00
José Milhazes
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José Milhazes foi o rosto recente de uma polémica na SIC, após ter dito uma asneira em direto no “Jornal da Noite”. Agora, o jornalista dá uma grande entrevista à TV 7 Dias e abre o jogo sobre a sua vida: deixou o seminário, foi para a Rússia, desapaixonou-se do comunismo e guarda o desgosto de nunca ter chegado a professor universitário, por culpa de alguém.

TV 7 Dias – Como gosta que o tratem?
José Milhazes – Por José Milhazes. Em pequeno era Zé. Depois, quando começa a escola e começam a haver apelidos semelhantes, então era Milhazes porque era menos vulgar.

Quem é o José Milhazes?
É um cidadão como outro qualquer, que trabalha para viver, vive para trabalhar e tentar ser feliz.

Foi no jornalismo que encontrou essa felicidade?
No jornalismo, acho que me realizei parcialmente e também nos livros que escrevo. Quando vejo resultados considero que em geral são positivos. Mas nunca me sinto totalmente realizado, porque acho que se pode sempre fazer e ser melhor. E depois tem os estímulos externos, que é quando tens uma família, tens, digamos de olhar para ela, participar nela, depois dos filhos, vêm os netos e nesses netos vês uma grande felicidade, uma forma nova que é diferente de ter filhos, mas que é uma grande felicidade. Eu acho que, na vida, eu tive felicidades. Não me posso queixar.

Hoje já é um homem mais de família?
Não. Não consigo desligar porque isto é uma situação absolutamente extraordinária. É uma guerra e requer um esforço muito grande, daí que eu não possa dizer que agora dedico mais tempo à família. Eu gostaria de, mas temos de estar sempre atualizados, andar sempre de um lado para o outro, depois o meu livro no meio, apresentações, que levam muito tempo. Infelizmente a família não está no primeiro lugar.

Quanto tempo demora a preparar o comentário no Jornal da Noite?
Depende. Primeiro, a guerra está-se a prolongar e é cada vez mais difícil conseguires notícias que não se repitam. Isso é um problema e às vezes estás três quatro horas à procura de três ou quatro notícias e isso é cada vez mais difícil à medida que a guerra avança.

Alinha-se com o Nuno Rogeiro nessa pesquisa?
Cada um faz o seu trabalho e nunca coincide. Nós só falamos antes de entrar no estúdio, uns minutos. Às vezes nem é sobre os temas que vamos falar, mas sobre alguma informação em geral, alguma informação que eu ou ele tenhamos, interessante, para trocar. O nosso trabalho é feito à parte e isso contribui para que ele fique mais rico. O Nuno tem umas coisas que é bom, é melhor do que eu, eu tenho outras coisas que posso complementar: o contexto histórico e de quem viveu lá. O Nuno está sempre bem informado em armamento e em termos militares e aí eu não sou muito forte, porque eu nem sequer fui à tropa. Nunca me atraiu.

José Milhazes explica como escapou da tropa

Como conseguiu não ir à tropa?
Isso é uma história muito complicada. Eu fui para a União Soviética e depois tinha que vir à inspeção. Como depois do primeiro ano não vim a Portugal e no segundo ano adoeci, depois só pude vir ao fim de três anos, mas já era refratário e por isso fui-me apresentar na região militar do Porto. De lá mandaram-me para a inspeção militar. Lá, ficaram muito felizes quando souberam que sabia russo, mas eu disse-lhes que não tinha grandes intenções de fazer serviço militar, queria continuar a estudar e mandara-me a uma comissão médica, devido à doença de pulmões que eu tive na Rússia…

A tuberculose…
Exato… e depois mandaram-me ao hospital militar do Porto, estava lá um médico velhote simpático, que me perguntou se as russas eram boas e eu disse que sim, e ele disse “então vai lá ter com elas” e deixou-me ir. Foi em 1980 e já não havia necessidade de soldados. Mas se eu tivesse ficado aprovado e me tivessem mandado para o quartel eu não ia. Já tinha a mala feita para atravessar a fronteira e combinado com uns amigos e tudo. Não era minha intenção nem estava inclinado para fazer o serviço militar.

Passou mais tempo na Rússia do que cá. O que o fez mandar a mulher e os filhos numa primeira fase e numa segunda fase vir o José?
Quando vieram a mulher e os filhos nós tínhamos que decidir onde é que eles iam viver e estudar. Eles já estavam a estudar mas, quem é que eles seriam como adultos? Na Rússia a situação era complicada naquela altura, restava a Estónia ou Portugal e decidimos que vinham para Portugal. No início pensava que iria ser breve, que eu iria voltar para Portugal, mas tal não aconteceu, porque, eu tinha receio de voltar. Quando eu regressei em 2015, voltei com receio de que não houvesse aqui lugar para mim.

Pela opções de vida que foi tomando?
Mesmo em termos profissionais. Eu doutorei-me em história, mas as esperanças de lecionar na universidade nunca foram grandes, porque vi que em Portugal o sistema é muito fechado.

É um desgosto que tem?
É. Era uma das paixões e uma das coisas que eu queria fazer. Eu, durante algumas passagens por Portugal, dei algumas aulas de história, relações internacionais, jornalismo, mas eram coisas intemporais, coisas mais continuas eu vi que o sistema de ensino português é muito fechado e por isso… tentei muitas vezes, mas depois desisti.

E hoje, se o convidassem para dar aulas?
Não vou.

Iria achar que era pelo momento mediático que está a atravessar?
É verdade, é. Eu nesse sentido, não tenho ilusões. Quando tens momentos em que precisas de ajuda não te dão e em outros, toda a gente te vem dar ajuda quando precisas. Agora tenho montes de convites, palestras, uma atrás da outra.

“Não sou uma pessoa de muita vida social”

Como é que se sente pelo facto de toda a gente saber quem é o Milhazes?
Encaro isso normalmente. Em Portugal, as pessoas têm muito cuidado nas relações uns com os outros, por isso eu vou a qualquer lugar e alguma pessoa pode vir falar comigo e pede desculpa e eu não me recuso falar com ninguém, porque normalmente são pessoas que vêm por bem.

Nunca teve problemas?
Em público não. Nas redes sociais são todos uns valentes. Insultam-te, chamam-te os nomes todos e depois vais a ver são perfis falsos, ou antigos camarada. Eu tenho andado muito pelo país e o contacto é muito pacífico e muito agradável. Falam contigo um bocadinho e depois pedem para tirar uma fotografia e retiram-se. Não são daqueles que estão ali a ocupar-te muito tempo. Não sou uma pessoa de muita vida social. Eu até tenho fobia quando está muita gente junta. Eu posso estar com um grupo de amigos muito pequeno ou até com um grupo de pessoas, agora estar numa grande concentração de pessoas eu nem me sinto bem.

Mas quando era mais novo era diferente.
Quando se é mais novo tem-se a força toda deste mundo e do outro.

E o José tinha muita força?
Tinha, tinha, pá. Claro que tinha, mas à medida que o tempo vai passando nós vamos pedindo e dedicando mais tempo a nós próprios.

O que leva alguém a ir para a Rússia, numa altura em que os jovens queriam era ir para sítios livres, como Paris, Londres?
Eu ir para Paris ou Londres não poderia sonhar nem nunca sonhei, nunca tive essa ilusão. Os que tinham dinheiro iam, os que não tivessem não iam. Fui para a União Soviética e não escondo, porque era um jovem comunista fervoroso. Foi a ideologia que me levou, não foi qualquer outra razão. Quer dizer, era uma oportunidade para eu estudar, porque para a minha família era difícil manter-me a estudar, sei lá, em Coimbra.

Era mais fácil ir para a Rússia?
Era, claro, porque em Coimbra teria de pagar os estudos, um quarto e isso para a minha família seria impossível.

Não se arrepende de nada?
Não, não, quer dizer, há coisas que eu não faria, fiz mal, faria de outra maneira, mas em geral a opção que eu tomei foi a correta.

Já fez as pazes com Deus?
Com Deus eu tenho uma relação muito complicada. Em momentos da guerra não consigo compreender como é possível, porque é que Deus não dá um pontapé na humanidade e não a ensina a ter juízo de uma vez por todas? Talvez ele não possa e nos deixe levar as nossas intenções até ao fim e isso complica a minha relação com Deus.

Ao longo da vida conseguiu cumprir a sua missão de missionário, que era o que queria ser?
Eu quando fui para o jornalismo foi por acaso, mas nunca fiz do jornalismo uma missão. Era uma profissão que me permitia sobreviver e que eu tentei fazer da melhor forma. Mas não tentei levar ou impor ideias aos meus leitores ou telespectadores. Eu transmitia a imagem, a notícia. A conclusão é feita pelos leitores, telespectadores ou ouvintes. Eu só dou a minha opinião, quando me perguntam, isso aí chama-se comentador político.

José Milhazes não volta à Rússia enquanto Putin for vivo

Era fácil ser jornalista na Rússia?
Em termos de condições económicas, os correspondentes portugueses estavam em situação muito desigual em relação a qualquer país europeu. Nós às vezes nem éramos considerados jornalistas. Éramos uma espécie de “epá, calha bem, está ali um rapaz em Moscovo, diz umas coisas e tal e nós precisamos lá de um correspondente”, tudo bem. Mas quando se trata de apoio financeiro ao teu trabalho, as coisas são mais complicadas. Eu sentia uma certa tristeza. Imagina o que é estares a acompanhar acontecimentos ao vivo e não poderes transmitir, porque não tinhas um telefone satélite e tinhas ao teu lado um japonês com um, a transmitir. E isto numa altura em que para fazer uma chamada telefónica na Rússia ainda era preciso encomendar a chamada.

Regressou a Portugal em 2015. Voltou à Rússia depois disso?
Não, nunca mais e penso que não o vou fazer enquanto Putin estiver vivo e a situação na Rússia estiver como estiver.

Os russos na sua maioria pensam como o Putin?
Eu acho que na sua maioria ainda pensam como Putin. Só quando lhes chega à pele é que eles começam a pensar de outra maneira. Infelizmente isso é verdade. É um povo grande, que está sujeito a uma lavagem diária ao cérebro, em que tentam impor ideias, que já não são do nosso século, que são um povo escolhido, que vão salvar a humanidade, que o ocidente está degradado. O Dostoiévski dizia a mesma coisa no século XVIII. O povo russo, além da forte repressão, há resistentes, mas para que eles saiam à rua é preciso levá-los a um estado muito complicado.

É por causa disso que se entusiasmou naquele momento em que fez a polémica tradução no telejornal?
Eu não sabia que na televisão portuguesa existiam regras tão apertadas e que a sociedade fosse tão hipócrita. Eu quando cheguei aqui eu vi que afinal a nossa sociedade não tinha dado assim tantos passos em frente como aqueles que eu pensei, quando a deixei em 1977. Agora, a este ponto eu não estava à espera. Eu fiz aquilo naturalmente, porque se eu não utilizasse aquela palavra naquele momento, aquela manifestação morria. Eram milhares de jovens. Eu não podia dizer “vão para o pipi” ou outra coisa qualquer. Qualquer uma dessas coisas seria estúpida. E além disso eu dediquei grande parte da minha vida à tradução. Essa palavra no norte é quase uma vírgula, ou digamos, um ponto e vírgula, mas eu não a vou utilizar no jornalismo ou em qualquer outro lugar à direita ou à esquerda. Claro que da próxima vez eu pergunto se posso dizer isto ou não, porque eu não esperava. Por outro lado é positivo, porque as pessoas acordaram. Eu consegui transmitir, levar às pessoas, a energia daquele grito. Isso foi o mais importante.

A Clara de Sousa disse-lhe alguma coisa depois?
Eu fui falar com a Clara em jeito de lhe pedir desculpa, mas ela recebeu-me muito bem, com um grande sorriso e compreendeu porque é que eu fiz aquilo. Não foi para chatear ou lixar alguém ou tornar-me famoso. Foi uma coisa absolutamente natural. Claro que quando eu vi a reação da Clara fiquei… entendi, que tinha feito alguma coisa. A Clara reagiu muito bem e depois tenho uma excelente relação com a Clara e ela sabe que aquilo saiu naturalmente sem desejo do que quer que seja.

A Rússia deu-lhe uma mulher e dois filhos. Na balança o que é que pesa mais: o bom ou o mau?
Claro que é o bom. A minha vida, a minha juventude, os amigos…

Era um bom vivant?
Não posso dizer que era um bom vivant. Quando era para beber, bebia-se, quando não era para beber não se bebia e havia vezes que não havia nada para beber. Quando havia tempo e havia namoradas, namorava-se.

Namorou muito?
Eu não sei o que significa namorar muito. Eu nesse sentido não era nenhum Don Juan, digamos. Por acaso não me casei com uma russa casei-me com uma estónia.

Fica ao lado.
Fica ao lado mas fica longe, porque em termos civilizacionais são muito diferentes.

Para melhor?
Não há povos melhores nem piores. Há pessoas boas e más. Se perguntam o povo russo? O povo russo é uma coisa muito abstrata. Agora se me perguntam, os russos? Eu encontrei lá pessoas excecionais, continuo a ter amigos excecionais e encontrei lá más pessoas como encontro aqui em Portugal ou noutro lugar qualquer. Não posso dizer que os russos são melhores ou piores.

“Quando se é jovem, não devemos ter medo de arriscar”

Viveu muitas aventuras por lá?
Sim. Havia sempre aventuras, porque a situação a isso obrigava. Havia problemas que era preciso resolver, ou uma coisa que era preciso arranjar e não se arranjava. As histórias das chamadas festas, onde nós éramos convidados porque tínhamos discos ocidentais e ninguém mais tinha e vinham-nos convidar pessoas completamente desconhecidas. Foi numa dessas que eu conheci a minha mulher. Na minha residência vivia praticamente gente de todo o Mundo. Tinha lá amigos espanhóis e latino-americanos e de vez em quando dava-lhes na mona e vinham para o corredor tocar guitarra e aquelas canções de amor latino-americanas. Havia sempre imprevistos deste tipo. Em geral não me podia queixar.

Quando se chateou com o comunismo nunca teve problemas?
Eu comecei a fazer jornalismo quase no fim da União Soviética e Portugal, quer dizer, onde é que isso fica? Eu não sou um jornalista norte-americano ou inglês. Os problemas às vezes existiam, mas era com artigos relacionados com portugueses que se metiam em negócios pouco claros com a Rússia, ou aqui em Portugal, da Rússia. Eu gostava muito de fazer jornalismo de investigação e às vezes telefonavam e queriam falar comigo, mas eu dizia que não queria falar com eles. Depois eles falavam de forma a que eu desistisse. Nas redes sociais é uma coisa no dia-a-dia… sentia, mas era quando queria fazer determinadas coisas e não fazia, como quando não fui dar aulas na universidade. Alguém me fez a folha ou alguns me fizeram a folha. Não tenho dúvidas.

Foi contra os seus pais, desistiu do seminário, desapaixonou-se do comunismo… É feito de ruturas?
Eu acho, principalmente quando se é jovem, não devemos ter medo de arriscar. Seria muito bom, se todos os jovens portugueses, antes de começarem a trabalhar ou nos primeiros anos de trabalho, fossem para o estrangeiro viver uns tempos. Fazia-lhes bem. Arejavam a cabeça e quando chegassem aqui tiravam o pó de muitas cabeças que andam para aí a fazer asneiras. Agora quando mandamos os jovens para fora porque aqui não têm salários dignos e depois eles querem regressar e nós criamos dificuldades…

Incentivou os seus filhos a irem para fora?
Os meus filhos nasceram lá fora e começaram a voar do ninho muito cedo. Às vezes precisava era de lhes chamar a atenção. Havia períodos complicados, principalmente com o filho, mas não foi nada que não se resolvesse.

Alguma vez teve que dizer como a sua mãe, “anda cá que eu não te faço mal”?
Fake News. Se eu reconheço isso matam-me, embora os meus filhos não se possam queixar de violência doméstica. Mas, de vez em quando levavam um bom raspanete. Mas sempre foram muito ponderados. Neste momento estão lançados na vida e têm filhos e veem como é difícil criar os filhos.

José Milhazes, a salada russa existe mesmo?
Existe, existe. Só tem que ser comida fria e em Portugal muitas vezes comemos quente. E isso não pode ser, por causa da maionese.

Texto: Luís Correia; Fotos: D.R.
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