Manuel Cavaco não perdoa TVI: «NÃO GOSTO DE SER MALTRATADO»

Manuel Cavaco não esquece a forma como saiu da TVI e faz revelações inéditas sobre o seu afastamento. O ator admite ainda que é um cobarde no que toca a despedir-se dos amigos quando estão a morrer.

07 Nov 2018 | 18:53
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TV 7 Dias – Manuel Cavaco, tem 74 anos e nasceu em Lisboa. É alfacinha com muito ou pouco orgulho?
Manuel Cavaco – De gema. Muitíssimo orgulho.

O que recorda da sua infância?
Tudo o que era bom. Era um menino sem mãe, altamente apaparicado pelo avô, pelos tios, o pai, de outra maneira. Mas, sou menino sem mãe que viveu no seio de uma família muito grande. Uma das coisas que odeio que digam é que tiveram pena de mim, e isso marcou-me muito.

Pena por não ter mãe? De que forma é que isso afetou o seu crescimento?
Pois não sei. Tínhamos que ir à psiquiatria e a gente só vai fazer uma entrevista. (Risos) Tínhamos de ir para outro sitio e eu não me apetece.

Andei a pesquisar textos sobre si mas não encontrei grande coisa…
Porque eu não gosto de dar entrevistas. Não gosto de falar de mim, nem de dar entrevistas. As duas coisas.

Mas hoje está aqui comigo e vamos falar…
Porque as solicitações são tantas, tantas, tantas que há uma altura em que a gente diz: ‘vá lá, facilita uma vez’ e então tocou-lhe a si eu facilitar.

Disse-me que foi um menino sem mãe, ela faleceu por motivos de saúde?
Não sei, não vamos falar sobre isso.

Fala sempre que foi criado pelos seus avós maternos, e onde estava o seu pai?
(Suspiro) O meu pai estava ali ao lado. Não vivia connosco, mas estava todos os dias ao pé de mim e todos os dias me via.

Mas cresceu com esse acompanhamento?
Cresci com esse acompanhamento, não é pai ausente, pelo contrário, mas é ausente de outra maneira. É um paradoxo, mas é isto. Quem me criou, quem me apaparicou, quem me deu tudo, foram os meus avós.

Porque diz que foi criado pelos avós e não diz que foi criado pelo pai?
Fui criado pelos avós, porque eram os avós que me davam de comer, que me punham na cama para dormir. Eram os avós que me davam pastéis de nata. Pois. Mas o pai estava lá, sempre. O meu pai, tal como eu, foi um pai velho. O meu pai já tinha 40 e tal anos. O problema não é aí, o problema é depois. Ser pai é quando as pessoas começam a sair da adolescência, aí é que precisam do pai, digo eu, digo eu. E o meu pai quando eu sai da adolescência já tinha quase 60 anos e isso para um pai tem peso.

Tem alguma situação que se recorde em particular da sua infância?
Tinha quatro anos e era um menino ladino. Ladino é uma palavra que eu gosto muito. Sempre fui um miúdo feliz, despreocupado e tinha dois tios que eram amadores de teatro e que pertenciam a um grupo de teatro famoso e um dia precisavam de um miúdo para aparecer na primeira peça do Romeu Correia, encenada pelo Varela Silva. E fui a uma audição, onde me meteram num palco sozinho.

 

«Deixei de viver com os meus avós e foi um trauma»

 

Lembra-se desse dia? Estava nervoso?
Lembro-me muito bem. Não estava nervoso. Porquê? Quando as pessoas fazem as coisas inconscientemente não têm essas coisas.

Já nessa altura percebia que gostava de palcos?
Não. Eu era é atrevido por isso atirei-me para a frente e correu bem e tanto correu bem que ainda estou cá e fiquei a pertencer a um grupo de pessoas que fazem parte da minha infância mais remota até ao início da minha adolescência, quando o meu pai se casa pela segunda vez e eu e o meu irmão fomos viver para uma casa que o meu pai alugou. Deixei de viver com os meus avós e foi um trauma. Tinha dez anos.

Quem é que passou a tomar conta de si?
O meu pai e a minha madrasta. O meu segundo trauma exatamente a separação dos meus avós. Foi difícil, foi complicado, mas ultrapassou-se como se ultrapassa tudo.

Não foi buscar a essa madrasta o afeto que lhe faltava por parte da sua mãe?
Não nada. Nada nada.

Antipatizaram?
Completamente. Não correu bem.

Depois veio a adolescência…
Aos 15 anos torno-me independente e digo ao pai que quero ser ator e vou para o Conservatório para a escola de teatro e a partir daí tornei-me completamente independente.

Ao longo da sua extensa carreira trabalhou com nomes sonantes como Raul Solnado, Herman José. Esses tempos eram melhores do que os atuais?
(Hesita) Não eram melhores, nem piores, eram outros tempos.

Que diferenças é que encontra assim de maior?
Não sei quantificar. Cada tempo é o que tem no seu tempo. Nós antigamente fazíamos também muita televisão, só que a televisão que era produzida não era com esta intensidade. Também trabalhávamos desalmadamente. A RTP fazia muito teatro e nós fazíamos muitas peças. Houve um ano que cheguei a fazer 16 peças de teatro, é uma brutalidade. Todas as semanas ia uma peça para o ar. Para além do teatro, havia shetchs, programas de variedades, o pequeno teatro. Trabalhava-se tanto. Tínhamos folhetins, adaptação de romances de literatura mundial…

Este é o país dos seus sonhos?
Não. Faltam pessoas.

Pessoas ou boas pessoas?
Pessoas.

Tem pouca população este país?
Não, não. Tem pessoas com muito pouca educação.

Isso afeta-o no dia a dia?
Muito.
Mãe que é mãe é insubstituível. Cresceu com algum tipo de trauma?
O que é que você acha? Uma pessoa só começa a sentir falta das coisas quando sabe quais são as coisas que lhe faltam.

E quando é que percebeu quais eram as coisas que lhe faltavam?
Quando comecei a tomar consciência do que é ser mãe; quando via as mães dos meus amigos… eu não tive aquilo, eu não tenho aquilo…

De que falta é que sentiu mais especificamente?
Mas isto é uma entrevista ou é uma situação de psicanálise?

Estou a tentar perceber…
(Pausa) O que quer concretamente que lhe diga?

Quero que me diga aquilo que pensa…
Vamos entrar em zonas que são complicadas para mim.

Sente a falta dela?
Muito, muito, muito.

Está casado pela segunda vez. O primeiro casamento correu mal?
Sim.

E como é a sua relação com a sua mulher, que está ligada ao jornalismo?
Não é, já foi.


Está feliz com esta novela da SIC, «Alma e Coração»?
Muito, muito. É uma personagem que tem a ver muito comigo, mas mesmo muito, em todos os sentidos. Fala de coisas que é difícil ou se calhar raro alguma vez terem sido faladas tão abertamente, como a homossexualidade, o problemas do racismo como ele é tratado e acima de tudo da Guerra Colonial e do trauma que deu em algumas pessoas, e da maneira como é falada. Tem muito a ver comigo porque eu fiz a Guerra Colonial.

Foi duro?
Foi duro, foi um período muito desgraçado da minha vida. Desgraçado é mesmo sublinhado. Não gosto de ter tabus em relação a isso e há muitos tabus ainda e continuarão a haver enquanto houver tropa. Os tropas estão convencidos de que perderam a batalha, mas quem perdeu a batalha foi a política, porque aquilo podia ter-se resolvido de outra maneira há muitos anos. Gosto muito, mas mesmo muito de representar este Nestor e das pessoas que estou rodeado.

A Guerra Colonial para si foi uma desgraça, uma perca de tempo?
Um tempo completamente inútil. No princípio não foi muito fácil, mas depois tive de aprender: ou eles ou eu. Quando embarquei disse ao meu pai: ‘pai não te preocupes que eu ou mato ou morro.’ O meu pai ficou muito aflito e disse: ‘óh rapaz tu não podes…’ ‘não, não pai, se eles vierem do mato, eu vou para o morro, e se vierem do morro, eu vou para o mato.’ Foi assim que encarei os quase 30 meses que lá estive.

Foram os piores anos da sua vida?
Sim, sim. Sem dúvida nenhuma. Porque são anos de inutilidade, não andei a fazer nada.

Na sua opinião as novelas contribuem para ajudar a desmistificar temas como a homossexualidade?
Acho que as novelas têm de contribuir para abrir a cabeça às pessoas. Para além do entretenimento têm de dar alguma coisa, despertar a curiosidade para que as pessoas se possam inteirar corretamente.

Sei que o Manuel gosta muito de histórias, é uma pessoa que lê muito… Tem alguma história que me queira contar?
Posso lhe contar uma história passada com o Fernando Tordo, o José Carlos Ary dos Santos e um outro amigo. Era Natal e o Zé Carlos queria que eu fosse passar o Natal a casa deles, morávamos muito perto e eu disse que não ia, que queria estar sossegado em casa. ‘Lá estás tu com as tuas coisas’. E por vota das 10 horas da noite tocam à campainha e eu fiquei danado porque estavam a incomodar a minha paz e a minha tranquilidade. Abro a porta e no patamar do meu andar, estava uma espetacular mesa. Um imenso banquete.

Tem bons amigos?
Tenho. Ainda tenho. Muito bons.
Como é que se define enquanto ser humano?
Sou um homem simples lá do meu bairro. A característica principal é não andar em bicos dos pés.

Não fazer favores a ninguém?
Também não! Isso é muito importante.

É viver bem em plena consciência dos valores que estão certos para si?
Comigo os valores nunca passaram à clandestinidade. Os valores intrínsecos à personalidade de uma pessoa: ser honrado, sério, não prejudicar, estimar, querer.

Como lida com as outras pessoas que não têm esses valores?
Eu não lido, eu fujo. Evito, não quero.

 

«Não tenho mau feitio»

 

Tem mau feitio? Criou-se essa “imagem” quando se fala de si.
Eu não tenho mau feitio, sei de onde é que isso partiu, mas não lhe vou dizer. Mas eu, de facto, não tenho mau feitio, antes pelo contrário. Não me meto com ninguém, não gosto que se metam comigo. Sou rigoroso, sou muito profissional, não gosto de facilitismos, gosto de mérito, não gosto do amiguismo. Se isto é ter mau feitio, ok!

Ao longo da sua carreira criou algum tipo de inimigos?
Não. Não vale a pena.

A sua saúde já lhe pregou uma partida, mas por outro lado foi bom porque deixou de fumar.
Sim, isso é verdade.

O que recorda desse dia em que sofreu um enfarte.
Estava a ver a SIC, um debate quando essa criatura Vale e Azevedo ganhou as eleições ao Dr. Tadeu que era um homem de quem eu gostava muito e ganhou o debate e eu percebi que a demagogia era tanta, era mesmo demagogia e eu percebi que o Benfica ia começar a ruir. Aliás, ruiu. O debate acabou, eram 3 e meia da manhã, era o dia 17 de setembro de 1997, estava um calor imenso, fui à cozinha, tirei um copo de leite gelado e fui para a janela fumar um cigarro e beber o copo de leite. Comecei a sentir-me mal disposto, a ter uns suores estranhos, e como estava avisado da sintomatologia do enfarte, fui acordar a minha mulher e disse-lhe: ‘vamos embora para o hospital que eu estou a fazer um enfarte.’ Ela pegou em mim e levou-me para o Hospital de São José.

Foi bom não ter desvalorizado os sintomas.
Sim, foi bom.

Foram momentos difíceis ter tido consciência de que isso lhe tinha acontecido?
A seguir foi muito dramático comigo. Tive amigos que trataram bem de mim. Mas há um amigo que foi valoroso para mim, porque tratou-me como um filho, como se trata um amigo e tratou-me. Fez-me tudo o que possa imaginar.

Teve medo de morrer?
Não. Não tenho medo de morrer. A morte é absolutamente natural, morrer é exatamente igual a nascer, com a única diferença que a gente nasce sem querer e morre de querer. Toda a minha vida encarei a morte como uma coisa absolutamente natural. As pessoas não podem ter medo daquilo que não conhecem.

Mas por vezes a morte implica sofrimento…
Ah! Isso é outra história. Se a morte implica doença e a pessoa fica doente…, mas tratam-se, as pessoas têm de se estimar.

O que é que faz pela sua saúde?
Tenho juízo em relação à comida, a várias coisas, sei que se isto ou aquilo não me faz bem, não abuso, como menos. Não corro, não sou atleta, nem praticante porque não tenho paciência para isso. Vou aos médicos porque a prevenção é o melhor para evitar o sofrimento. Se a gente for todos os anos ao dentista nunca vamos ter dores de dentes.

É uma pessoa solitária e introspetiva?
Sou. Muito. Agarro-me aos livros, à televisão, aos vídeos. Gosto muito de cinema, mas vejo em casa. Sei viver muito bem sozinho.

Para si a felicidade não existe. É uma pessoa triste?
Sou, naturalmente.

 

«Não gosto de ser maltratado e fui maltratado»

 

Antes de vir para a SIC esteve na TVI e foram imensas as personagens que fez…
(Interrompe) Quero retificar já. Não estive na TVI, como não estou na SIC. Eu estive na NBP e agora estou na SP. Eu não era funcionário da TVI, nem da SIC. Eu estava contratado por uma produtora para fazer uma situação.

Então estava contratado pela NBP e fez inúmeras personagens para a TVI e para a RTP. Mas em 2010, a TVI não quis renovar contrato consigo, certo? Isso é uma mágoa que não se esquece?
Eu não esqueço. Eles é que esquecem, com certeza. O problema é deles, não é meu.

Isso foi para si uma “facada”?
Profundamente. Já passou, para mim não tem importância nenhuma, o problema é deles, não é meu.

Na altura não disse nada?
Para quê? Trataram-me muito mal, acho que não podiam tratar-me da maneira como me trataram e o problema é deles. Vão morrer esticados.

Isso morremos todos…
Você adianta-se às respostas. Vão morrer esticados como se calhar estão a morrer.

O que quer dizer com isso?
Isso agora… (Faz suspense). Esticadinhos, esticadinhos… Isto para mim é assunto encerrado.

Ainda está magoado com isso?
Não estou magoado… (Pausa). Não gosto de ser maltratado e fui maltratado. E eu não gosto, pronto. Já passou, já está nas calendas gregas.

E na altura quem é que lhe deu a notícia?
O administrador da época, o diretor da época, nem me lembro do nome dele. Não tem importância nenhuma para mim, rigorosamente nenhuma.

«O homem que sonhou foi o Nicolau Breyner, o homem que fez nascer foi o António Parente e o homem que mexeu foi o Moniz. E quem esquecer esta trilogia está a ser ingrato» – esta frase é sua. O que mudou na ficção?
Completamente. Eu aqui não posso ser totalmente justo, porque não posso ser ingrato, mas eu sei tudo desde o princípio. E de facto, hoje há uma indústria do audiovisual, há. E existe porque existiu um homem chamado António Parente e o resto é conversa. Se não fosse o António Parente os atores portugueses não trabalhavam da maneira como trabalham. Se não lhe prestarem homenagem são de uma ingratidão absoluta. Com o José Eduardo Moniz percebeu que tinha um homem que podia ir para além daquilo que ele queria, salvar uma estação de televisão. Já tinha salvo quando era administrador ou diretor na RTP, salta para a TVI e o Parente, que queria pôr uma máquina a funcionar pôs. E tratou o audiovisual como se fosse uma indústria. Foi buscar este, aquele… e vamos embora.

E o trabalho foi bem feito?
Foi. Podia ser melhor, claro, que podia. Claro que podia, ainda hoje podia ser muito melhor a ficção. Mas calma, Roma e Pavia não se fizeram num dia. Quem está contente não evolui. Podia ser melhor literariamente, podia ser melhor os aspetos técnicos, tudo pode ser melhor. Temos é de trabalhar e lutar. Nós não podemos é comprar o muito bom que vem de fora com o que vai andando e que fazemos cá dentro.

Costuma acompanhar a ficção que se faz no Brasil?
Não. Essa é que definitivamente eu não acompanho. Porque não é a minha realidade, porque não gosto, não gosto do sotaque, não me interessa. O quotidiano deles não me interessa, a realidade deles.

O que acha do intercâmbio que existe entre Portugal e Brasil?
Acho muito bem. Há aí um rapaz que entra nesta novela que fala português magnificamente, como se fosse um transmontano. Gosto muito de ouvir os brasileiros bem falantes de Português, o que eu não gosto é o ‘paquera’. Isso é que não gosto, não me apetece. E parece que me querem obrigar a que eu fale também.

Suponho que não tenha sido apologista do novo acordo ortográfico?
Sou contra. Absolutamente contra. Contra, contra.

Gosta muito de estar em casa e gosta muito de chorar.
Eu adoro chorar.

Liberta-o?
Completamente.

Quando foi a última vez que chorou?
Ontem, a trabalhar. (Gargalhadas) Sabe que um homem também chora. E se têm vergonha de dizer que choram não prestam. Eu choro quando o meu cão se põe a olhar para mim, porque sei que o cão queria falar português e não consegue. Emociona-me muito.

 

«Emociona-me muito a coragem de um toureiro»

 

Que outras coisas é que o emocionam?
Politicamente incorreto, emociona-me muito a coragem de um toureiro, emociona-me muito a coragem.

Gosta de touradas?
Gosto muito. Politicamente incorreto, mas gosto muito de touradas. Pela parte da coragem, da elegância, do baile que o toureiro faz em volta do toiro, então quando o toiro é bravo, quando o toiro tem nobreza, então é uma elegância, é uma coisa… ali, no meio sozinho. O toiro nasceu, criaram-no para aquele desafio. O toiro vive livre, o toiro não tem baias a guiá-lo, ele vive no meio da herdade e tem o campo todo. O toiro é um animal manso se não o enfurecerem. O toiro nasceu para aquele momento, uma coisa única e depois morre. Também matam os toiros, as vacas e os cordeiros no matadouro e se calhar sofrem mais.

Chegou a passar fome?
Cheguei. Porque o meu objetivo era ser ator e a gente tem de se sacrificar para os nossos objetivos. Depois do 25 de abril houve uma altura muito complicada para os atores.

Foram tempos difíceis?
Um bocado difíceis mas passou tudo. Não me arrependo, antes pelo contrário, tenho orgulho. Foi bom.

Ao longo de tantos anos de trabalho conseguiu juntar um “pé de meia”?
Já não fico no desemprego. Um homem com 74 anos já não é desempregado, já não fico sem trabalho. Vou ler o que preciso de ler, vou para a aldeia.

Mas assim já não é remunerado?
Já não preciso disso. Já não preciso mais do que aquilo que tenho.

Como é que vê a situação de colegas seus que não têm trabalho?
Vejo muito mal. Vejo francamente mal, mas é um campo que me é difícil entrar porque alguma coisa se passa. Se A, B, C ou D, não têm trabalho alguma coisa se passa.

Não acha que é porque nas novelas não há pessoas de mais idade?
Ah! Sim! Nesse capítulo tem toda a razão. Cada vez há mais trabalho para os novos, porque é natural, a vida é dos novos. A vida naturalmente é dos novos. Contar a história dos velhos do ponto de vista comercial, se calhar, não interessa muito. Interessa ver os novos e a história dos novos.

Vamos por exemplo à novela «Vila Faia». O elenco de atores desta novela era, na sua maioria, pessoas que rondavam os 30/50 anos.
Sim, mais ou menos. Isso hoje em dia não acontece. É, porque há muito mais gente a praticar o ofício, gente que de facto foram aprendendo a estar em frente a uma câmara, foram aprendendo a colocar a voz, foram aprendendo várias coisas.

Acha que os nossos atores são melhores do que os brasileiros?
Isso não lhe posso dizer. Há excelentes atores brasileiros e há atores portugueses absolutamente extraordinários. Ouça há atores portugueses que se falassem inglês eram uma coisa do outro mundo e a gente ficava agarrados.

Quer me dar alguns nomes?
Não me importo nada. Estou a trabalhar com um que adoro: o Renato Godinho. É muito bom. O João Reis – é um ator absolutamente extraordinário, o Albano Jerónimo

E atrizes?
Olhe está aqui uma que é excelente: a Soraia Chaves. Num estilo completamente diferente, a Cláudia Vieira. Ela está a melhorar, isto é como o vinho do Porto, é amadurecer.

Nunca lhe fizeram um comentário que o deixasse a pensar…
Sim, todos os dias. Detesto que me digam que sou bom ator. Porque não sou. A pessoa que está ao meu lado e me diz, eu tenho de respeitar a opinião dela, mas eu não gosto que me digam. Ninguém é bom quando nasce, o ator para ter alguma e boa qualidade tem de sofrer. Tem de trabalhar, que sofrer, que amadurecer.

Então e não acha que você já trabalhou, já sofreu e já amadureceu?
Ainda não sei se já cheguei lá. Ainda não sei se cheguei ao ponto. Se o público gosta de mim, isso é outra conversa. Eu queria mais, eu preciso de mais.

O que lhe falta fazer?
Não sei. Mas sei que me falta muita coisa. Este papel que estou a fazer é um bombom tão bom, tão bom. E agora? Será que eu sou capaz? E agora? Eu sou o que eu sofro.

 

«O António Cordeiro, é uma infelicidade, é um horror»

 

Como é que reagiu à notícia que o seu colega, António Cordeiro tem uma doença incapacitante?
(Joga as mãos à cabeça e suspira) É grave, muito grave, é de tal gravidade que eu, que toda a vida me dei muito bem com o António não tenho coragem. (Pausa) Sou um cobarde. Estou a falar consigo com o coração nas mãos. Eu sou um cobarde, como cobarde fui para outras pessoas.

E arrepende-se? Porque não o faz?
Porque não sou capaz, porque não sei o que lhe hei-de dizer. (Suspira) Vou dizer-lhe que pessoas que amei na minha vida profissional e que morreram com problemas gravíssimos: o Varela Silva e eu não fui capaz. O Varela Silva inventou-me como ator, ajudou-me, amparou-me, pôs-me as mãos por baixo. Não fui capaz. Quando ele morreu chorei baba e ranho e não fui. Eu não fui ao funeral do meu pai. Ou por outra, fui ao funeral do meu pai, ele estava a ser enterrado aí a 100 metros e eu estava cá no alto a assistir. As pessoas não morrem para mim. O António Cordeiro, é uma infelicidade, é um horror. Porque ele estava na plenitude da vida, um homem que tinha talento, e é uma crueldade, o destino é horrível. Eu ontem pus um recado: ‘Não te enerves por envelheceres, é um privilégio que não é dado a outros’.

Porque morrem mais novos?
Epá! E podia falar de tanta gente, que não fui capaz. O meu avô… é cobardia. Eu sou cobarde. O Raul Solnado morreu. Ui! Não fui capaz. O Armando Cortez, não fui capaz. O Zé de Castro, o meu querido e saudoso Zé de Castro, não fui capaz. Não sou capaz.

Então não vai ser capaz nunca?
Sou um cobarde, mas eu assino por baixo. O Manuel Cavaco em relação às amizades, é um cobarde, não assiste ao final.

E vai continuar a fazer isso a pessoas que lhe são próximas?
Então não vou?! Estou a dizer-lhe o funeral do meu pai foi no cemitério dos Prazeres e a campa onde o meu pai estava e eu lá em cima. Toda a gente a chamar-me. Aquela coisa tenebrosa, dos beijos… Que horror! Que horror! Que horror! Mas ninguém tem coragem de dizer isso.

Porque toda a gente sabe
Mas não dizem. Mas não dizem. Mas fazem. E vão.

A política continua a tirá-lo do sério. Somos bem governados?
Agora acho que sim. Preocupo-me muito com a política porque a vida é política. A política está a entrar num estágio inteligente. Porque houve ali três homens que finalmente perceberam que isto só lá vai através de uma unidade e a unidade aconteceu.

Gosta do nosso presidente?
Não tanto como devia gostar. Devia gostar deste presidente como gostei muito do Jorge Sampaio. Este presidente mete-se em tudo, está em todo o lado e a gente não se deve meter em tudo. Não tem de ir a correr bater nas costinhas das pessoas todos; não tem de andar a arrancar eucaliptos; ele tem é de entusiasmar as pessoas todas a arrancarem eucaliptos, mas é pela fala. Ele tem de saber entusiasmar as pessoas. O Mário Soares sabia entusiasmar as pessoas, levava as pessoas atrás. Eu gosto muito do Marcelo Rebelo de Sousa, acho é que ele se mete em coisas que não se devia meter.

Tem uma filha e gostava de ser avô?
Era engraçado. A minha filha é ótima, adoro a minha filha.

É um pai babado?
Não, não sou um pai babado. Gosto é muito de pessoas e quando as pessoas valem a pena, sou por elas completamente um “nhanha”.

Se é assim com a sua filha imagino quando tiver um neto(a).
Eu sou o perfeito egoísta, porque gosto muito de mim. Gosto mesmo muito. E sabe porquê? Porque enquanto os outros me disserem que gostam de mim, já estou preparado de que não gostem de mim. Quando as pessoas dizem que gostam muito de nós, temos de ter cuidado. Então não é, menina? É evidente. Quem gosta não diz que gosta.

O que é o amor para si?
A amizade, o amor só podia estar 36 anos com uma mulher porque lhe tenho muito amor. Porque ela é absolutamente extraordinária. Vou-lhe contar uma história: eu nunca usei aliança de casamento, não suporto. Um dia apareci com este anel e vou-lho mostrar. Um dia cheguei a casa e disse-lhe: ‘olha Cristina, mandei fazer este anel.’ E ela disse: ‘Epá és tão sacana. Nunca quiseste usar uma aliança e agora usas uma merda pirosa a dizer Manuel cavaco?’ ‘Não, estúpida, é Manuel e Cristina.’ Esta é a minha aliança de casamento.

Gosta de ser diferente?
Peço muita desculpa, eu sou diferente! E gosto de ser diferente.

 

Texto: Mafalda Dantas; Fotos: Marco Fonseca
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