Há uma característica que eu e Ljubomir Stanisic partilhamos: somos brutos como as portas. Há outro traço da personalidade do chef jugoslavo que eu gostaria de ter mas não sei bem se a possuo: uma generosidade avassaladora.
Pesadelo na Cozinha está de volta à TVI e, apesar dos…
- 8 «foda-se»
- 25 «merda»
- 20 «caralho»
- 1 «filho da puta»
- 1 «puta que o pariu»
- 1 «puta»
… Ljubomir Stanisic voltou mesmo «mais meiguinho» (quem o diz é o próprio, em entrevista exclusiva à TV 7 Dias). Neste arranque da terceira edição, vemos uma nova faceta do chef 100 Maneiras: o de Embaixador da Boa Vontade das Nações Unidas. Ljubomir, o imigrante, encontra outros imigrantes, trabalhadores precários da Apple House, um buraco negro no meio da mina de ouro que é atualmente o centro de Lisboa.
E se para o desgraçadinho do Júlio (o dono da hamburgueria escolhida para o arranque desta temporada) Stanisic não está com meias tintas e lhe atira tartes de noção à cara, para a equipa de funcionários o prato é outro. Prova-se, é azedo no início, mas depois adoça.
A Apple House é o reflexo de muitos negócios que por aí continuam abertos, mas que já deveriam ter fechado há muito. E não é pela imundície. É pela falta de vergonha. Verdadeira Torre de Babel da desgraça, reúne debaixo do mesmo teto gorduroso Lorena, que era nutricionista no Brasil e agora é empregada de mesa; Jamil, do Bangladesh, Estefania, do Perú; Wael, do Egipto. Todos imigrantes. Todos precários. Todos com salários em atraso.
Ljubomir viveu a guerra, a fome e a pobreza. Ele, ao contrário de Júlio, sabe o que são verdadeiros sacrifícios. E quem já comeu o pão que o diabo amassou, tem o direito de mandar postas de pescada. Postas de pescada à cara do Julinho que, apesar de não pagar ordenados há 3 meses, ainda tem a distinta lata de dizer que a culpa de não ter clientes é dos empregados.
Haja paciência.
E, por falar em paciência, foi preciso alguma para deglutir este mega-episódio de Pesadelo na Cozinha. Está bem que estávamos com saudades, mas podiam ter guardado uma buchinha para a próxima semana. Pesadelo na Cozinha é um programa de entretenimento. Tudo é editado, reeditado, montado e desmontado para transmitir emoção, emoção. E – confesso – teve o efeito desejado. Tanto que até lacrimejei quando Ljubomir anunciou à equipa do Apple House que lhes iria pagar um dos salários em atraso. Dinheiro emprestado com ‘v’ de volta para o patrão Júlio, entenda-se.
Já se passaram dois longos anos desde que estreou Pesadelo na Cozinha. Em tempo de televisão, é muito. Estamos todos mais velhos e Ljubomir também, que até já usa óculos para ler as ementas. Diz-se que as pessoas vão amolecendo com a idade e, vendo Stanisic mais contido e mais sensível, verifica-se a teoria. «Eu não estou a fazer um TV show, estou a ajudar pessoas», diz aquele que – corre por aí – ganha 30 mil euros por episódio.
Será que o público dos domingos à noite, que se bandeou em massa para os lados de Paço de Arcos no último ano, vai voltar para os braços tatuados do chef 100 Maneiras? Só as audiências o dirão. Mas que Stanisic faz por isso, lá isso faz. Ele cozinha, ele limpa, ele é lobbista político, ele é ecologista, ele é Bob o Construtor. Mas será o salvador da TVI?
Texto: Raquel Costa