As galas em direto do concurso que procura os mais diversos talentos em Portugal arrancam já no próximo domingo, 3 de março. No leque dos finalistas encontra-se Rafael Martinho, de 26 anos, que conquistou o carinho do grupo dos jurados, e a atenção dos telespetadores. Ao programa da RTP 1 leva o que mais ama fazer: malabarismo de fogo, mas o seu maior objetivo com esta experiência, em antena nacional, prende-se com o fato de desejar mudar de vida.
“Vivo na rua desde os 18 anos, desde que saí do centro de acolhimento. Nunca me meti em drogas pesadas, ao contrário dos meus pais, e queria partilhar o meu trabalho, para ver se a malta compreende a minha história, e tentar fazer a diferença neste Mundo. Gostava de fazer vida com a minha arte, mas quero sobretudo fazer a diferença e inspirar as pessoas”, disse o concorrente, sublinhando: “Quero mudar a minha vida, estou desesperado nesse aspeto”.
“Amo muito a minha avó e sou-lhe muito grato”
A viver numa carrinha em Lisboa desde os 18 anos, Rafael revela à TV 7 Dias que a sua infância ficou marcada pelo consumo de drogas dos pais, da prisão do seu progenitor, e ainda pelo facto de nunca ter tido um lar. “A minha mãe e o meu pai sempre foram agarrados à cocaína e à heroína, e eu na verdade fui indesejado. Quando nasci o meu pai foi preso, a minha mãe ficou desorientada, não sabia o que fazer e deixou-me na minha avó e foi para Inglaterra. Fui criado pela minha avó materna até aos nove anos, uma mulher de 88 anos, viúva de três homens e com muita tristeza na sua vida”, disse, reforçando que a convivência com a avó materna nem sempre foi fácil: “Nunca toquei em drogas e aos nove anos já era acusado de fumar e me mete em porcarias. Eu chegava a casa com frieiras por causa do vento de andar de bicicleta e a minha avó já pensava que andava em porcarias. A minha mãe fartou-se de roubar em casa, e já fui criado com aquela acusação. Aos nove anos, a minha avó não aguentou e fui transferido para a minha outra avó que depois teve um acidente de carro e ficou em coma. Andei umas semanas de mão em mão até que fui para um centro de acolhimento, a Casa da Palmeira, onde fiquei desde os dez até aos 18 anos”.
Quando, aos 18 anos, deixou a casa de acolhimento pensou que estaria na altura de ser ele a cuidar da sua avó. Mas, por incompatibilidade de feitios acabou por acabar na rua. “Amo muito a minha avó e sou-lhe muito grato, mas o nosso feitio não encaixa e desde essa altura que me agarro ao malabarismo. Dos 18 anos 21 anos percorri praticamente a Europa a pé. Ainda fui ver a minha mãe a Inglaterra, mas foi uma grande tristeza vê-la agarrada à droga. Uma coisa é saber que eles são agarrados outra coisa é ver. É muito difícil. Hoje em dia tento lidar com isso tudo que aconteceu e tirei a minha carta de condução a viver na rua, não faço mal a ninguém e só quero que de alguma forma o universo em recompense”. Longe dos progenitores, desaba em lágrimas quando se fala da progenitora, e do medo que sente por perdê-la para a droga. “A minha mãe continua em Inglaterra e vai continuar por lá. Em relação a drogas a resposta que ela me dá é: ‘Filho, não é mais nem menos do que antes’. Não há anda a fazer. Se temo que ela venha a morrer? Com tudo o que já sofri, era mais fácil ela não me magoar mais. É muito difícil”. Já no que toca ao contacto com o pai, o jovem confessa que é raro: “Gosto muito do meu pai, mas ele estando preso não posso estar com ele, é muito difícil para mim estando na rua ir visitar o meu pai”.
Rafael confidencia que, em média, faz 35 euros por dia
A viver do malabarismo, na rotunda do Areeiro em Lisboa, Rafael confidencia que em média faz 35 euros por dia. Embora, o que consegue fazer mensalmente não dê para arrendar uma casa, na capital, confessa que tenta viver dignamente, apesar de todas as dificuldades que enfrenta diariamente: “Às vezes nem tomo banho, já arranjei um ginásio, hoje em dia tenho quem me deixe ir a sua casa para tomar banho. As refeições normalmente compro já coisas feitas, e é isso”, desabafa. Apesar de já ter estado empregado, Rafael conta que por agora dedica-se em pleno à sua arte. “Já tive outros empregos, mas agora nem sei o que quero. Sei o profissional que sou, e que consigo viver só do malabarismo, mas se eu não tivesse insistido no malabarismo eu hoje não fazia o que faço e não deixava as pessoas de boca aberta. Abdiquei do meu direito e privilégio de comer e dormir melhor para poder investir nisto. Só estou a tentar fazer as coisas de maneira que me faça feliz e se estiver sozinho num semáforo consigo fazer um ordenado mínimo ao final do mês, mas também somos muitos a trabalhar e o mercado de trabalho está tão destruído. Já tive no circo Mirene Cardinali, estive no circo Las Vegas, em Espanha, mas nos circos ganhamos 800 euros, não temos um único dia de folga e temos que montar e desmontar tudo, as feiras também pagam miseravelmente”, confidencia.
Entrar em Got Talent Portugal é desde sempre um sonho. Agora que concretizou este desejo, só espera conseguir “trabalho”. “Não quero ajuda, só quero trabalho, e reconhecimento”.
Rumo à grande final
O concurso de caça talentos conduzido por Sílvia Alberto e com Manuel Moura dos Santos, Rui Massena, Inês Aires Pereira e Filomena Cautela como jurados, entrou numa nova fase. Já em direto, a partir do próximo domingo, 3 de março, e ao longo das próximas quatro semanas serão apurados dois finalistas que vão estar na grande final. Além de Rafael Martinho, a cantora angolana, Diana Cabango, o grupo de dança Flash Li Dance Crew, a ginasta Sofia Rolão, o duo de cantores Luís e Leonardo, o bailarino de dez anos, Martim Amroim, o trio de ginástica acrobática Sky Bound, o pianista Wilson e o rapper Couto lutam, nesta gala, pelo passaporte para a final.
Texto: Telma Santos (telma.santos@impala.pt)
Fotos: Madalena Esteves/Fremantle