Rui Luís Brás em lágrimas ao falar da adoção: «Acho que se ama mais assim»

Em entrevista à TV 7 Dias, o ator Rui Luís Brás não contém a emoção ao falar do filho que adotou em 2016. «É preferível não ter um dos cônjuges do que ter dois que não sejam uma referência», conta.

25 Nov 2019 | 18:50
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Jardins do Palácio de Marquês de Pombal, em Oeiras. Apresentação à imprensa do Projeto Trezes. A confusão instalada e os convidados dispersos. O ambiente era de uma profunda agitação, mas nem por isso a emoção deixou de estar à flor da pele de Rui Luís Brás. Em poucos minutos de conversa, o conhecido ator abriu-se e deu-se por inteiro, de corpo e alma, enquanto falava da sua vida, da vida que deseja ter e da vida que acolheu.

Emocionou-se. Tentou, sem conseguir, controlar as emoções. Perguntámos-lhe porque tinha os olhos marejados de lágrimas. Lembrou que aquela vida que acolheu lhe proporcionou a concretização de um sonho de sempre. O céu acompanhou a atmosfera ali criada e a chuva começou a cair. Já resguardado, voltou a emocionar-se. Enquanto falava de amor. E do seu amor maior: o filho, hoje com 16 anos, que, não sendo, o entende como de seu sangue. É o amor a falar. Foi o amor a falar em cada segundo daquela conversa.

 

«Se calhar, tenho de me dedicar a outra coisa qualquer»

 

TV 7 Dias – Vimos, durante a apresentação e por segundos, um pouco da sua personagem, com um toque de comédia. É um boneco, não no sentido pejorativo?

Rui Luis Brás – Não no sentido pejorativo. Eu considero um boneco, mas esta é a minha maneira de falar das coisas. Para mim, os bonecos têm de ter alma. Boneco no sentido visual, de estar, de falar. Construir, para mim, como ator, é o que mais me desafia.

É ter de passar por todos esse processo que se pretende em cada desafio.

É. E não mais do mesmo, do género ‘faz de ti próprio, cabelo penteado para a direita, cabelo penteado para a esquerda, põe bigode, tira bigode’.

Tem passado muito por isso?

Ah… [hesita] Sim. Sim e não. Nos últimos anos nem tanto, mas houve uma fase em que sim. Quando comecei no teatro, só fazia heróis românticos. Depois, sofredores. Depois, houve uma fase em que eram só maus da fita. E agora, felizmente, a panóplia tem-se diversificado bastante.

Como conhecedor deste meio, como olha para este Projeto Trezes que a RTP acaba de apresentar?

Este projeto é muito importante, até porque normalmente os canais privados vivem um bocadinho da ditadura das audiências e, portanto, tentam servir à medida do cliente. Esta heterogenia que 13 filmes, de autores completamente distintos e de épocas completamente distintas, muito bem adaptados e de certeza que bem realizados e interpretados por todos, pode marcar a diferença. E, se calhar, o gosto educa-se. Digo eu. Portanto, se calhar, está na altura de o público abrir o leque e divergir para outro tipo de desejo enquanto espectador.

Educar o espectador.

Educar o espectador. E isso a RTP tem feito, tem de se dizer.

E 2020 traz com ele novos projetos?

Não sei… [risos] Há algumas coisas no ar. Em teatro, já posso falar: vou fazer uma peça com a Manuela Maria.

Volta-se sempre ao teatro.

Volta-se. O teatro é o meu berço. Mas seria mentira eu dizer que, se pudesse, só faria teatro. Não é verdade. Adoro fazer cinema, adoro fazer televisão. E gosto mesmo de televisão. Gosto quando ela é boa. Quando ‘passa’ para coisas mais light – no mau sentido, quando são intelectualmente mais baixinhas, menos exigentes – sinto-me mais frustrado. Agora: a minha função como ator é, independentemente do instrumento que estiver a tocar, fazê-lo o melhor que puder. Ter oportunidade de fazer coisas diferentes tem sido aquilo que me tem aguentado. Tenho 52 anos e estou cá há muitos. Às vezes, até estranho como é que é possível. Considero, neste momento, que se calhar tenho de me dedicar a outra coisa qualquer, porque financeiramente não é compensador. Chega-se a um limite em que se merece ter qualidade de vida…

Começou a pensar nisso mais a sério com a entrada nos 50?

Penso, completamente a sério. Penso imenso que outras coisas possa fazer. E gosto tanto de outras coisas!

Mas é uma ideia séria ou ainda um bocado vaga?

Séria. Há muitos anos que vou pensando no que posso fazer. Não digo que seja para cortar completamente com a representação. De todo. Porque sou um homem sério. É um compromisso para a vida e a paixão não morreu. O casamento não acaba enquanto a paixão não morre.

Mas há um desencanto que o leva…

[Interrompe] Nem é um desencanto. É a instabilidade. É disso que eu não gosto. Há alturas em que se está muito bem na vida e depois há meses em que não há trabalho…

 

«O meu filho tem um passado muito pesado, com o qual vai ter de lidar a vida toda»

 

E agora, de há três anos para cá, tem outro tipo de responsabilidades [Rui Luís Brás adotou uma criança em 2016].

Sim, quando se está sozinho é uma coisa… Penso imenso nisso.

E há um ramo específico por que pensa enveredar?

Ah, não! Há muitas coisas de que gosto. Quero uma coisa completamente diferente – ter uma loja, algo ligado ao mobiliário…

Não teme partir para outra área e apontarem-lhe o dedo?

Claro que temo, mas é-me indiferente o que os outros pensam. Se o fizer, não serei o único. Não tenho outra forma de sustento que não o trabalho e, portanto, terei sempre de diversificar o trabalho se quiser ganhar um bocadinho mais. Não estou a fazer nada de ilícito. Não estou a pisar ninguém. Portanto, se me dedicar a outra atividade que não tenha nada a ver com esta profissão, é uma escolha minha.

Mas pensa certamente nisso.

Claro. Mas também não penso em deixar a minha carreira. Gostaria era de ter oportunidade de conciliar com esta carreira.

Vem aí o Natal. O Natal ganhou um novo significado há três anos?

[Sorri] Completamente. Sabe que ainda não tivemos oportunidade de passar o dia de Natal cá? Optei sempre por ir de férias com ele, sair daqui, mostrar-lhe um bocadinho do Mundo e das coisas de que gosto e, portanto, ainda não tive aquela sequência de estar em casa, a fazer o Natal na altura certa. Fazemos sempre em janeiro.

Mas há pinheiro na mesma?

Há tudo! Tudo igual! Mas em janeiro. Normalmente no Dia de Reis. Mas, este ano, vai ser o primeiro Natal em casa.

Já passou a fase de adaptação ou essa fase vai existir sempre?

Esta fase vai existir sempre. Adaptação no sentido de um ao outro, não. Adaptação dele ao mundo, à segurança, àquilo que a estabilidade lhe trouxe, ao amor. Acho que está tudo muito bem, mas, obviamente, há aqui um passado muito pesado, com o qual ele vai ter de lidar a vida toda.

Foi um presente que a vida lhe deu?

Foi o maior presente que… [emociona-se] eu já tive na vida [pausa].

Porque é que se emocionou?

[Sorri] Porque foi uma coisa que eu quis desde os meus 18 anos.

A adoção?

Sim, a adoção. Acho que o Mundo está cheio de gente. Gente a mais, sozinha e abandonada. E, portanto, pôr mais um numa altura em que, até em termos ambientais, quanto menos seres humanos houvesse, mais possibilidade o planeta tinha de se auto-superar. Mas já nessa altura tinha essa consciência: ‘Para quê mais um se há crianças que precisam de pais?’. É evidente que um filho biológico podia ter acontecido.

 

«É preferível não ter um dos cônjuges do que ter dois que não sejam uma referência»

 

Embora não tenha outro termo de comparação, acha que se ama de outra forma?

Não sei se é uma outra forma de amar, porque, como disse, não tenho termo de comparação, mas é a coisa mais forte que já vivi em toda a minha vida. Não acho que haja possibilidade de amar de outra forma. Eu, na minha santa inocência, acho que se ama mais assim.

Isso é muito curioso.

[Com a voz novamente embargada] Ama-se mais no sentido em que se tem alguém que precisa mais do que aquilo que é normal, da atenção, do tempo, do carinho, da capacidade de curar e sarar as feridas…

Mas também se tem mais medos.

Tem.

Como é que se ultrapassam esses medos?

Já não penso muito nisso, sabe? Estou numa fase em que quero que ele seja feliz e pronto. E vê-lo feliz, ver que ele já não traz aquela carga de tristeza que tinha no olhar, aquele disfarce como se a vida fosse melhor do que a que realmente tinha… Isso findou. Ele está completamente integrado. Costumo dizer-lhe: ‘Não podias ser mais biológico do que és’. Para mim, é lógica a relação que tenho com ele. E é, sobretudo, fortíssima.

O olhar de tristeza já não existe?

Não, não.

E esse é o maior presente que poderia ter recebido.

Para mim, é. Esse e tentar acompanhar isso o resto da vida e estruturá-lo como o grande homem que vai ser.

O processo de adoção é uma coisa de que se fala?

Nós falamos constantemente. Não é um tema tabu. Há circunstâncias que se calhar o exigem – não estou a ver quais -, mas no meu caso não fazia sentido. Ele tem plena consciência do que lhe aconteceu, até pela idade que tinha. É impossível – quem dera! – passar uma esponja sobre o passado e poder… apagar certas coisas que o incomodarão para o resto da vida. Eu não forço. De cada vez que ele quer voltar ao passado, falamos.

Dá-lhe respostas a todas as perguntas que ele tem?

Dou. Tento dar, na medida do possível. Não há nada a esconder.

Faz falta uma figura materna ao seu filho?

Eu acho que ele sente a falta… Ele vai tendo à sua maneira e eu tento compensar, tento ser pai e mãe… Claro que faz falta, mas também acho que ele vive muito bem com isso. Acho que é preferível não ter um dos cônjuges do que ter dois que não sejam uma referência. E, portanto, acho que ele está melhor assim.

 

Texto: Dúlio Silva; Fotografias: Impala e Pedro Pina/RTP
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