Covid-19: Solange F. não consegue pedir apoio da Segurança Social por filha não ter pai

Uma falha da Segurança Social impede famílias monoparentais de requererem o apoio excecional concedido a pais com menores de 12 anos. Solange F. relata processo discriminatório.

02 Abr 2020 | 18:50
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Entre as várias medidas excecionais decretadas pelo governo durante o estado de emergência está o apoio excecional à família para trabalhadores dependentes e independentes. Ou seja, «trabalhadores (por conta de outrem ou independentes) e que faltem ao trabalho por motivos de assistência a filhos ou outros menores a cargo, menores de 12 anos, ou com deficiência/doença crónica independentemente da idade, decorrente de encerramento do estabelecimento de ensino determinado por decisão da autoridade de saúde / decisão do governo».

Mãe de Nuna, de 10 anos, Solange F. encontra-se nesta situação. Com uma diferença: é uma família monoparental, parâmetro que, para já, o sistema informático da Segurança Social não contempla, o que impede a empresária e apresentadora de submeter o seu pedido. 

Com o tempo a escassear (o prazo limite de entrega do pedido é já a 9 de abril) a empresária e apresentadora relata-nos a situação angustiante na primeira pessoa.

A Solange pediu o apoio excecional à familia para trabalhadores dependentes e não conseguiu. 

Quem está a tentar pôr o formulário na net é a minha contabilista. Ela já me dizia há 3 dias que o formulário não avançava porque [a minha filha] não tem pai. E não tem. A única pessoa que está no cartão do cidadão dela sou eu. Essa questão foi resolvida há 10 anos quando eu tive de fazer o registo da miúda. Eu recebo o abono de família da Segurança Social, eles sabem perfeitamente que registos têm. O que é que acontece? O formulário empanca quando não se preenche o campo do outro progenitor. 

A minha contabilista tentou por novamente o meu nome e o meu número, o sistema responde ‘número inválido’. Ela estava há uns dias a tentar falar com a Ordem dos Contabilistas para ver se lhe respondiam a esta questão. Entretanto, falei com uma deputada do Bloco de Esquerda e perguntei-lhe. A única coisa a que tenho direito é a isto porque ela tem 10 anos! E estou ali empancada porque o sistema não aceita famílias monoparentais!

Essa situação já devia estar mais do que contemplada.

É surreal. As próprias plataformas do Governo continuam a ser discriminatórias. O próprio Governo devia estar à frente no que toca a este tipo de burocracias. Tudo o que tem a ver com inscrições de crianças, sejam na escola, seja no ginásio, aparece sempre ‘pai’, ‘mãe’. Completamente errado! Devia ser ‘adulto responsável’, qualquer coisa assim, com duas alíneas. Eu deparo-me com isto pelo menos uma vez por ano.

Fez um post no Facebook sobre esta situação.

Sim, depois descobri, nos comentários, que havia uma pessoa na mesma situação e que tinha conseguido ligar à Segurança Social Direta e disseram-lhe que o erro já tinha sido reportado e que, eventualmente, ia sair uma portaria. Acho ridículo, não tem de sair portaria nenhuma! O erro tem é de ser corrigido. Eu sei que os contabilistas estão a par desta situação mas ainda não temos resposta de lado nenhum. Provavelmente os trabalhadores independentes independentes estão na mesma situação porque, neste momento, tudo o que tenha a ver com preenchimento de formulários sobre menores tem de ter nome de pai e mãe. É ridículo! Já enviei vários emails à Segurança Social e, até agora, não obtive resposta de lado nenhum. Eu já sei que as pessoas sabem mas, até agora, não sei que medidas vão tomar para alterar isto. E temos uma janela um bocado curta, são 8 dias para alterar isto.

É a primeira vez que lhe acontece uma situação destas?

Não. A primeira vez que me aconteceu foi quando matriculei a Nuna no primeiro ano. Levei a documentação em papel e, quando a inseriram no computador, foi exatamente isso que aconteceu. Tiveram de chamar 3 pessoas para resolver a situação. Uma dessas ainda me sugeriu para inventar um nome. Então a criança passa de família monoparental para um pai inventado? Mas isso faz sentido na cabeça de alguém?

Solange com a filha, Nuna
Há um desfasamento entre a evolução da lei e a burocracia. 

Sim, e nós não temos noção disso porque não a utilizamos todos os dias. Eu só passei por isto quando a inscrevi no primeiro ano. Agora, quando ela mudar de escola e for para o quinto ano, vou passar por este problema outra vez. Depois dos direitos que já se conseguiram alcançar, estas questões são mínimas, práticas. Neste caso, penso que aplica mais a famílias monoparentais porque, no caso de famílias homossexuais, em que estão registadas os dois pais ou as duas mães, dá-me a sensação que não terão esse problema. Neste caso específico, ou de pessoas em que há um elemento que não vive no país e nunca descontou cá, esses casos não estão contemplados. 

O único apoio a que tenho neste momento está-me a ser vedado. Isto é uma canseira mental quando uma família já está numa situação de pedir apoio de emergência, já viu os seus rendimentos caírem a pique e ainda tem de tratar de um problema que não é dela. É verdade que há muitos problemas ao mesmo tempo e não conseguem prever logo todas as hipóteses possíveis. Mas, se se sentassem e resolvessem todas as hipóteses de uma vez era escusado fazer adendas. Esperemos que tudo se consiga resolver a tempo de as pessoas não ficarem desprotegidas.

Companheira «pode eventualmente estar já contaminada»

 

Como é que está a gerir esta situação com a sua filha?

Está um apocalipse neste momento (risos)! Eu estou em casa sozinha com ela, é um malabarismo terrível. Felizmente, agora são as férias da Páscoa, a professora deu um trabalho sobre a Implantação da República, já lhe dei a xaropada toda ontem! Tento fazer os trabalhos com ela no tablet, de que eu preciso também para fazer outras coisas…

Ainda há mais essa questão. Se for uma casa onde só haja um computador…

Impossível. Hoje estava a tentar ter uma reunião com uns colegas e a net estava sempre a cair porque ela também estava no telemóvel. Tem sido isso, juntamente com estes problemas. A seguir, a pessoa ainda tem de se lembrar de fazer o almoço e o jantar. Ao mesmo tempo gerir horários, decidir se se vai hoje ou amanhã às compras. Depois, o processo todo de chegar, desinfetar… Efetivamente, são situações com as quais temos de lidar. No meio disto tudo, tentar manter a sanidade mental de gerir a coisa, brincar um bocado com ela, falar de outros assuntos, jogar, brincar. Felizmente, ela é uma criança que não exige. A minha companheira [Catarina Henry] é enfermeira de urgência no Hospital de Santa Maria. Desde o dia 10 [de março] que não nos vemos. Ela está na linha da frente… está caótico.

Como é que ela está em termos anímicos?

Ela está na casa dela. Felizmente, temos essa possibilidade. Foi uma decisão tomada por ela, para não correr o risco de nos contaminar. Ela veio duas vezes aqui à janela. Uma vez fui à rua por o lixo e estivemos à conversa, a 3 metros de distância. Tem feito os turnos dela, já esteve diretamente com infetados de covid-19. Neste momento, inclusive, aconteceu uma situação grave com uma pessoa infetada e ela tem de fazer o teste e ainda não o fez porque pode eventualmente estar já contaminada. 

Solange e a companheira, Catarina

 

Animicamente, está a fazer o que pode para não perder a sanidade mental, sendo que é uma pessoa que precisa muito de natureza. Neste momento, não pode sair de casa a não ser para ir ao supermercado… está esgotadíssima, como todos os outros…e, depois, não tem um abraço ao fim do dia, não tem uma sopa feita, não tem a roupa arrumada porque está sozinha. É complicado gerir isto tudo. Os pais dela estão enfiados em casa, os meus também. O que nos vale são as redes sociais, as videochamadas…na realidade, estamos todos separados para podermos estar juntos. É um bocado difícil mas tentamos levar isto da melhor maneira na esperança de, lá para o Verão, possamos estar juntos. 

Ainda para mais, somos todos grupos de risco. Eu sou asmática, os meus pais estão acima dos 65 anos, tem problemas do coração, diabetes. A Catarina é imunodeprimida mas não pode parar. Estão todos a dar o melhor. O que mais me choca, no meio disto tudo, é  as pessoas acharem que podem ir à praia ou andar em pequenos convívios no jardim. Se um desses miúdos de 20 ou 30 anos ficar doente, entre ele e a minha mãe, vão escolhê-lo a ele. Se alguém tiver de ficar com o ventilador vai ser o puto de 20 anos e não a minha mãe, que foi operada ao coração. A minha mãe está em quarentena desde que isto começou, não saiu uma única vez de casa.  

Catarina Henry é enfermeira no Hospital de Santa Maria, em Lisboa

 

Dá-me cabo dos nervos, por exemplo, o facto de ela ser enfermeira de urgência e, no meio da quarentena, estar a operar dois acidentes de viação porque a velhinha decidiu andar de carro sozinha e despistou-se no IC19 e outro foi um gajo que andou de mota de manhã para arejar! Estão a ocupar tempo, espaço e dinheiro quando, na realidade, foram completamente irresponsáveis! Se toda a gente começar a ficar doente, vão começar a escolher quem é que vive e quem é que não vive. E nós, dos grupos de risco, não vamos ser os primeiros. É tentar manter a sanidade mental… e ter uma garrafa de vinho (risos). 

 

Texto: Raquel Costa | Fotos: redes sociais

 

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