A televisão caminha para uma revolução? Não, vai tudo voltar ao mesmo

No dia em que Portugal assinala mais um ano sobre uma revolução, fazemos a questão: «A pandemia da COVID-19 vai espoletar uma convulsão na televisão?». O Diretor de Programas da RTP1 responde.

25 Abr 2020 | 9:00
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A pandemia da COVID-19 trouxe mudanças em todos os setores e o audiovisual não foi exceção. Mas como será o futuro? Em nada igual ao passado? No Dia da Liberdade, dia em que, há 46 anos, Portugal viveu a histórica Revolução dos Cravos, a questão que a TV 7 Dias coloca é direta: «Estará a televisão a caminhar para um momento revolucionário?».

O Diretor de Programas da RTP1, José Fragoso, não tem dúvidas: «Logo que seja possível fazer de novo programas de televisão sem limitações, isso vai acontecer seguramente.» Ou seja, vivemos um período transitório, anormal em vários aspetos, nomeadamente na forma de fazer televisão, mas com um fim à vista.

E, depois, tudo retomará a sua normalidade. Independentemente de este conceito ganhar uma nova definição no futuro. «A televisão há de adaptar-se a esses novos tempos que, numa primeira e numa segunda fase, ainda vão ser muito cuidadosos. Mas acredito que, mais à frente, estaremos todos juntos para voltar a ter os grandes formatos que são importantes para a televisão em Portugal», defende, em entrevista à TV 7 Dias.

 

(N.R.: A iniciativa da TV 7 Dias visava reunir as visões dos Diretores de Programas da RTP, SIC e TVI – José Fragoso, Daniel Oliveira e Nuno Santos, respetivamente. Porém, os últimos dois não se mostraram disponíveis para responder às questões da sua/nossa revista)

 

TV 7 Dias – A pandemia da Covid-19 vai desencadear uma revolução na televisão portuguesa? A televisão que vai ser feita será necessariamente diferente daquela que era feita antes deste momento?

José Fragoso – Acho que não. O contexto em que estamos a trabalhar neste momento é muito diferente daquilo que conhecemos, mas a televisão adapta-se aos momentos. Há situações que têm semelhanças a esta, não com esta envergadura, mas a televisão ao longo dos tempos tem-se adaptado a estas situações. Acho que esta é uma situação passageira. Estamos a falar de uma situação que se há de normalizar aos poucos e, portanto, o que a televisão fez nesta fase foi tentar adaptar alguns dos seus formatos à situação que se vive. A maior parte das pessoas está em casa e isso é válido para todas as profissões, incluindo os artistas e as pessoas que estão ligadas à televisão pelo lado profissional. No caso da RTP1, o que tentámos fazer desde o primeiro momento foi criar condições para que as criatividades que estavam dispersas cada uma por sua casa estivessem em formatos que criámos e que permitem manter essa ligação. Isso é uma consequência da situação que nós vivemos.

Não é uma nova realidade.

Exatamente. Não foi uma ideia que nasceu do zero e não é uma realidade que se mantenha [no futuro]. Temos todo o interesse em que, o mais rapidamente possível, as produções normais de televisão, que exigem público, palmas e festa, possam vir de novo para a televisão. Neste momento, temos quatro formatos parados na RTP1: Got Talent Portugal, Quem Quer Ser Milionário – Alta Pressão, O Preço Certo e Joker. Mas a nossa vontade, o nosso desejo e aquilo que eu acho que vai realmente acontecer é que, mais à frente, teremos esses formatos de regresso. E, portanto, a televisão há de adaptar-se a esses novos tempos que, numa primeira e numa segunda fase, ainda vão ser muito cuidadosos. Mas acredito que, mais à frente, estaremos todos juntos para voltar a ter os grandes formatos que são importantes para a televisão em Portugal.

Até lá, vão-se criando novos programas adaptados a esta realidade.

Sim, esta fase permitiu que nascessem projetos que são muito criativos e que tiveram e continuam a ter o condão de nos manter ligados à criatividade nacional. Ainda temos mais um formato para estrear, na próxima semana, com atores que estão em casa a fazer projetos de ficção que vão ser colados num formato [O Mundo Não Acaba Assim, com estreia marcada para as 21h30 de terça-feira]. Temos um projeto que está a ser gravado nos vários bairros de Lisboa com fadistas que atuam em casas de fado. Temos o Chefs de Casa, nos quais chefs de cozinha estão em casa e propõem pratos fáceis de se fazer. E temos o Artistas em Rede, o primeiro formato lançado neste quadro. Portanto, tratam-se de formatos que derivam das circunstâncias, permitem dar continuidade ao trabalho de muitos profissionais e garantem também que há uma ligação entre as pessoas que fazem os programas e o público.

Público esse que cresceu neste momento, claro.

Nesta fase, a maior parte dos espectadores que, numa altura normal das nossas vidas, vão jantar fora, ao cinema ou ao teatro, por exemplo, agora está em casa ao mesmo tempo. Isso significa que os programas têm audiências muito superiores. Os nossos programas que tinham 200 mil espectadores agora têm 400 mil. Os que têm 600 mil estão acima do milhão. O Preço Certo está a fazer audiências sempre acima do milhão de espectadores. O Telejornal está a fazer audiências de um milhão de espectadores. Portanto, o número de pessoas que está hoje em casa também permite que muitos programas que são lançados tenham um impacto muito grande. Mas julgo que, à medida que o tempo for passando e que sejam criadas condições para as pessoas voltarem a sair, voltaremos a ter resultados de audiências muito idênticos àqueles que tínhamos em janeiro ou em novembro do ano passado. Estes programas vão ficar, claramente, como uma marca histórica, mas acho que vão ficar datados. Daqui a seis meses ou um ano, se calhar, vamos olhar para estes programas como objetos que foram próprios de um determinado momento.

Portanto, não acredita que estejamos perante uma revolução e crê que, depois deste momento, tudo retomará à normalidade.

Sim, acho que é o que acontecerá. Há aqui um lado muito importante e que é uma marca que também fica para a frente. Nestas fases, as pessoas percebem a importância da televisão – e isso é uma coisa que é clara desde o primeiro momento. As pessoas procuram informação na televisão, procuram entretenimento na televisão e procuram também formação na televisão. Os resultados do canal [RTP] Memória com a telescola são também disso um exemplo. A televisão, nomeadamente a televisão pública, tem três missões que sentimos que são missões históricas dos serviços públicos de televisão no mundo: formar, informar e entreter. E as pessoas, nestas alturas, quando estão em casa, reconhecem a importância da televisão. E acho que isso vai ficar como uma marca para a frente – a importância da televisão num momento como este de confinamento em que estamos. É a televisão que nos liga, que permite que ouçamos músicas, que vejamos espetáculos… e que produz.

O aumento de público é um sinal de que a televisão generalista não está a morrer, como tem vindo a ser anunciado?

A televisão generalista não está a morrer. Isso é um chavão que se repete há dezenas de anos. Os canais de televisão generalistas, em Portugal e fora de Portugal, são os grandes motores dos grandes conteúdos televisivos, das grandes produções. A televisão generalista é a grande agregadora de público. Depois há, evidentemente, muitos canais que respondem a interesses específicos dos espectadores, mas é nos canais generalistas que se concentra o interesse e são os canais generalistas que trazem os grandes eventos e as grandes transmissões em direto. Em Portugal, os canais generalistas têm uma audiência somada muito considerável e essa audiência não tem sido beliscada. Até acho que nestes últimos dois anos tem havido um incremento muito grande do número de formatos e um investimento das televisões em conteúdos mais inovadores. E isso é, depois, reconhecido pelo público.

E quanto aos programas produzidos em regime de teletrabalho, poderão tornar-se numa constante no futuro?

Acho que não. A produção de televisão é exigente. Neste momento, estamos a fazer programas limitados. O facto de não poder haver atores a interagir, o facto de não haver bandas de música a tocar, o facto de não poder haver um concurso com pessoas a bater palmas e concorrentes juntos… Tudo isso é limitador. Julgo que, no futuro, à medida que a situação se for normalizando, teremos as produções de ficção, os concursos, os documentários e os programas musicais de regresso. Feito como deve ser feito. O que ficará destes tempos são programas que são específicos de um momento em que foi necessário que praticamente toda a gente ficasse em casa, sem contactos entre si. Mas, logo que seja possível fazer de novo programas de televisão sem essas limitações, isso vai acontecer seguramente.

Tem alguma previsão sobre quando será retomada essa realidade?

Não podemos dizer isso neste momento. A normalidade que tínhamos não vai existir tão cedo. Até terminar o estado de emergência [N.R.: 2 de maio] temos de continuar a cumprir as regras. Quando terminar, teremos de olhar para os vários formatos e ver, com as condições que existirem a cada momento, quais é que podem começar a ser gravados. Se é possível ter público, de que forma é que esse público vai funcionar… Essas variáveis todas vão sendo medidas à medida que formos percebendo como é que saímos desta situação de contingência. A mesma coisa é válida para a ficção, que está toda parada. Também julgo que, à medida que forem conhecidos os resultados do fim do estado de emergência, será possível avançar eventualmente com algumas das nossas produções.

Mas com muitas mudanças.

Com muitas mudanças no princípio, sim. Há de ser necessário fazer muitas alterações ao comportamento e à forma como as equipas se organizam. Tudo isso terá de ser feito com muito cuidado. Mas, lá está, é exatamente isso que tem de ser visto no seu tempo. Nós estamos a fazer as nossas grelhas semana a semana, estamos a trabalhar em função da semana seguinte e sem grande previsibilidade sobre aquilo que vai acontecer daqui a duas semanas, quanto mais daqui a um mês. Julgo que é impossível fazer previsões.

Isto obrigou a mudanças na grelha que tinham planeada para o ano todo.

Exato. Temos as grelhas todas alteradas. Ou, pelo menos, alteradas de forma significativa. O quadro que vamos estabelecendo semana a semana é mais no sentido de ver quando é que podemos começar a olhar para a frente e a ter visibilidade sobre a forma como vamos fazer retornar alguns dos formatos à produção.

O Got Talent Portugal, por exemplo, voltará à antena para concluir a sua transmissão?

Sim, é esse o nosso desejo e vontade.

Estão a caminhar um bocadinho no escuro?

Não é no escuro, porque temos ideia do que podemos fazer em vários cenário. O que temos é de adaptar os cenários a cada realidade.

 

Texto: Dúlio Silva; Fotografias: Arquivo Impala e reprodução redes sociais

 

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