Gilmário Vemba esteve no “Alta Definição“, da SIC, a convite de Daniel Oliveira, neste sábado, 20 de maio. O humorista lembrou a infância pobre e as noites na casa da tia com ela a contar-lhe histórias, como se de uma novela se tratasse por não terem televisão. O comunicador conta que cresceu no meio de criminosos, num bairro em Luanda, em que assaltos e tiros eram o dia a dia das ruas.
“Hoje eu consigo olhar à volta e dizer: ‘eu não tive brinquedos’. Era puto, ia atrás de qualquer coisa para transformar de brinquedo. Era fazer bonecos com lodo que apanhávamos na rua, era reaproveitar pedaços de outros brinquedos que já estavam para o lixo”, recorda, para acrescentar que apesar dessa pobreza comida nunca faltou.
“Havia sempre, fora em 92 quando houve confrontos pela primeira vez em Luanda. Aí faltou comida. Foram 15 dias de muito pânico. O confronto não demorou assim tanto tempo, mas o ambiente de pânico durou mais tempo. As pessoas não saiam para comprar nada, nem para vender… Comiamos o que havia”, recorda o humorista que na altura tinha sete anos.
“Vi várias pessoas a serem assaltadas, a serem baleadas”
“Tenho a memória muito presente, ir para baixo das mesas, ouvir os tiros, os gritos das pessoas e não sabíamos se aquilo…, pessoas a tentarem fugir e depois quando acabou perceber quem morreu… Aí sim faltou comida, tranquilidade, segurança. Um puto de sete não sabe o que está a acontecer, é o pânico. Eu cresci num bairro muito perigoso e ficou ainda mais nessa altura. O nível de criminalidade aumentou, eu vi várias pessoas a serem assaltadas, a serem baleadas. Lembro-me de vir da escola e ver. Quando estamos neste ambiente durante muito tempo, acabamos por normalizar. E não te podes lamentar, era o dia a dia”, sublinha.
Gilmário Vemba explicou ainda como não ficou uma pessoa fria e alheia ao sofrimento do outro por ter crescido naquele ambiente. “Saí a tempo. Às vezes acontecem coisas que nos forçam a sair. Eu acredito que se não nos tivesse acontecido um assalto terrível e em que os meus pais percebessem que não era seguro estar ali, nós íamos continuar a viver lá e se calhar tornar-me-ia mais frio e menos empático”, diz. Gilmário Vemba tem 16 irmãos.
Gilmário Vemba viu a mãe a ser espancada à sua frente
O humorista conta que sofreram um assalto muito grande em casa. “Levamos com um assalto de mais de três horas, nós lá dentro reféns, dispararam contra mim duas vezes, ameaçaram-me. Porque quando eles entraram eu estava a jogar um jogo, porque nunca tinha tido um jogo de consola. Eles bateram à porta, eu ainda estava acordado, e disseram que era polícia. Atiram pela janela quando vêm a minha sombra, eu ponho-me no chão, ponho-me a rastejar até ao quarto, partem o telhado, e ameaçam atirar em todos os quartos porque queriam que alguém fosse abrir a porta. A minha mãe vai, ela é mesmo uma heroína, e começam a espancá-la à minha frente. Desde aquele dia percebemos que não podíamos estar ali”, recorda.
Gilmário Vemba deixou aquele local poucos dias depois. “Graças a Deus acabou com nós todos vivos. Levaram tudo o que os meus pais tinham conseguido, sofá, comida… tudo. Deixaram-nos a casa vazia. O meu pai arrendou uma casa, dois dias depois, para sairmos daquela casa.”
O humorista recorda o assalto e rapto dos filhos em Angola. “Nós íamos a sair de carro quando param ao pé de nós quatro ou cinco caras, se calhar a ideia não era raptar as minhas filhas, mas elas estavam dentro do carro. Amarram-me os pés e amarram-me as mãos. Lembro-me de a minha filha agarrar-me a mão. Estavam a Grazela 15 e Aline 11 anos. Foi um pânico. Eu dizia levem tudo, o carro, as carteiras, os telemóveis”, recorda.
“Eles começam a dizer que eu gosto muito de falar de política, e percebi que aquilo era para mim. Basicamente eles estavam a tentar simular um assalto, mas eles queriam-me a mim. Eu percebi que ia morrer e implorei que não fizessem mal às minhas filhas. Foi uma hora e meia nisto. Cheguei a pensar que me iam rebentar a cabeça à frente das minhas filhas e a pensar como elas iam lidar com disso”, partilha.
Os assaltantes deixaram-nos num local vazio e avisaram o humorista para ter cuidado com o que dizia que ali não era Portugal. Uns minutos depois de silêncio, o humorista tira o capuz e começa a chorar com as filhas a abraçarem-no. “Pedi-lhes desculpa por as ter colocado naquela situação”
Depois do assalto, Gilmário Vemba tentou de tudo para conseguir vistos para conseguir trazer os filhos para Portugal. E no dia em que conseguiu, apanhou o avião na mesma noite.