Um contador de histórias exímio, como Júlia Pinheiro o descreve, Vítor de Sousa, de 72 anos, recuou no tempo, esta quarta-feira, para contar no programa Júlia como foi conhecer o pai aos 40 anos e como acabou por ser ele a promover o encontro entre os pais depois de quatro décadas de afastamento.
A apresentadora da SIC recebeu o ator, que dispensa apresentações. Mas acabou por ir logo ao assunto: «Foste tu que, enquanto filho, aos 40 anos, apresentaste a tua mãe ao teu pai?», perguntou Júlia Pinheiro, espantada.
Aí, Vítor de Sousa abriu o livro da sua vida para relatar a sua história.
«Eles já se conheciam», começou por dizer, em jeito de brincadeira. «A minha mãe casou-se muito cedo, aos 18, e divorciou-se um ano depois. O meu pai foi para África e voltou muitos anos depois. Isto parece uma telenovela mexicana ou venezuelana. Um dia, recebo um telefonema de um senhor, que eu não sabia quem era, a pedir para eu fazer um depoimento sobre um acidente que eu tinha assistido. Curiosamente, no dia a seguir, disse à minha mãe e ela respondeu: ‘não me digas que é o teu pai».
O ator, que até então, nunca tinha conhecido o progenitor, lá marcou um encontro. «Ele queria conhecer-me e pedir desculpas. O meu pai chegou a ver-me no teatro e na televisão, porque ele vinha com alguma regularidade a Portugal, e a dada altura ele assistia aos espetáculos sem saber que era eu que estava ali», relatou, acrescentando: «Sempre o tratei por Sr. Araújo, raramente o tratei por pai. Depois tratei…»
O encontro foi ao final da tarde à porta dos correios dos Restauradores. Mas Vítor de Sousa pediu a um amigo para ir à frente. «Lembro-me do que esse amigo me disse quando voltou para me dar conta de quem poderia ser aquele senhor. ‘Vai à vontade, tem ar de embaixador dos países nórdicos’. Apertei-lhe a mão e acho que lhe dei um beijo. Não senti emoção nenhuma, à parte daquela alegria de conhecer um pai, que só conhecia de nome no bilhete de identidade», disse.
Mas se Vítor de Sousa quis conhecer o pai, já a mãe adiou o reencontro, por este ser casado. «Mas, a senhora morre, o meu pai fica viúvo. A dada altura, eu disse-lhe: olha o sr. Araújo insiste em ver-te, agora queres vê-lo?». E o encontro aconteceu. Vítor de Sousa já disse que, no final de vida do pai, a mãe o visitava no lar e levava-lhe bolos.
Um padrasto «muito violento»
Considerando a mãe o grande amor da sua vida, o ator assume que esta lutou para lhe dar o melhor, mas isso não o impediu de sofrer às mãos de um padrasto violento. «Ele foi muito importante para a minha mãe, isso eu reconheço. Queriam que eu o tratasse por pai e eu não era capaz, porque ele não era o meu pai. O que é certo é que eu nunca me dei bem com ele, havia ali violência doméstica. Ele era muito violento. Para a minha mãe, não. E eu suportava, porque ele era um suporte afetivo para a minha mãe», referiu.
Quando, há dez anos, a mãe morreu, Vítor de Sousa sofreu o maior golpe da sua vida. «Ela tinha esclerose lateral amiotrófica. Perdeu a voz, falava comigo por escrito. No dia em que morreu, eu estava em Portimão a fazer uma peça com a Sofia Alves. Fui para a praia chorar e o Celso Cleto sugeriu cancelarmos o espetáculo. Mas eu fiz. Custou-me imenso, mas eu acho que era uma homenagem para ela», recordou, adiantando com a voz embargada: «Não vi a minha mãe dentro da urna. Não quis… Quis guardar uma imagem dela em vida, ainda que nos últimos tempos tenha sido muito violento, porque ela emagreceu muito. Foi complicado».
Desgosto de amor leva a tentativa de suicídio
Confessando a Júlia Pinheiro ser um homem de paixões, o que o levou, em 2010, a assumir a sua bissexualidade, Vítor de Sousa fez ainda uma viagem no tempo para recordar «a paixão extraordinária» que viveu com a pianista Maria João Pires e ainda a tentativa de suicídio após um desgosto de amor.
«Achei que com meia dúzia de comprimidos, gin tónico e uisque tudo misturado, que ia desta para melhor. Não fui. Foi um amor que acabou. Foi de uma cobardia… Eu estava sozinho com a minha avó em casa. Não me lembro de mais nada, contaram-me: acordei no dia a seguir no hospital e nem sequer foi preciso fazer lavagem ao estômago».
Apaixonado pela representação, Vítor de Sousa recordou ainda os tempos em que queria ser padre. «Queria ser padre, mas havia um impedimento: era filho de pais separados», afirmou.
Júlia Pinheiro surpreendeu Vítor de Sousa com mensagens de Ana Bola – que desafiou o ator a comerem «um grande bacalhau à brás» todas as semanas para recuperarem o tempo perdido – e de Sandra Celas. Mas as lágrimas rolaram no rosto do ator quando foi surpreendido com a presença em estúdio do afilhado, de 13 anos, o filho que nunca teve, fruto da relação de dois amigos a quem considera família, numa existência marcada pela solidão.
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Texto: Rita Montenegro | Fotos: Arquivo Impala