Victor Espadinha ataca Moniz e Gabriela Sobral

Aos 78 anos, o ator dá uma entrevista arrasadora, onde critica quem dirige a televisão portuguesa.

01 Fev 2018 | 16:22
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Aos 78 anos de idade e com quase 60 de carreira,  Victor Espadinha já não deixa nada por dizer. O ator, que a 7 de fevereiro regressa ao palco com a peça «Jantar Só Para Dois», fala da sua carreira, das suas mulheres, dos seus filhos, do cancro que venceu e ainda dos seus inimigos de estimação como José Eduardo Moniz – a quem chama de «sacana» – e Gabriela Sobral. «Percebe tanto daquilo como um crocodilo a andar de bicicleta», diz.

 TV 7 Dias – Tem 78 anos, mas não parece nada…

Victor Espadinha – Pois não. Quer dizer, tenho 78 anos, mas só faço 64.

 Também é daqueles que tira anos à idade?

Não, não. Não faço segredo. Não tenho problemas com isso, aliás, não tenho problemas com nada.

 Como faz para chegar a esta idade tão ‘enxuto’?

É viver a vida. Viver a vida, derrotar os inimigos e reinar com eles. Bebo uns copinhos de tinto, não sei… o elemento feminino ajuda muito nisso, dá uma certa alegria de viver, acho que elas até têm qualquer coisa química que nos faz bem.

 Tem muitos inimigos?

Tenho quatro ou cinco, mas muito grandes. Posso dizer os nomes? Eu digo logo, sou maluco. José Eduardo Moniz – um dos maiores inimigos que eu tenho. Porque em 1987 ou 88, o Herman José estava proibido pelo poder político e pela igreja de entrar na televisão e eu disse assim: ‘o programa é meu e eu convido o Herman José, não me interessa que esteja ou não proibido’. Disseram-me que não podia. Quando saiu o Carlos Pinto Coelho, que foi corrido porque o poder político é que manda e o poder político pôs lá esse anormal dos pés para o lado, que é o José Eduardo Moniz.

 «José Eduardo Moniz – um dos maiores inimigos que eu tenho.»

Disse que são vários inimigos…

Depois tenho aquela rapariga… não sei se é rapariga se é raparigo, que gosta da mesma coisa que eu, que é diretora de programas da SIC, só que ela é parecida com o Represas e eu mais parecido com o Marlon Brando, pronto.

 Está a falar de quem?

Da Gabriela Sobral. É uma rapariga muito bonita, linda, que percebe tanto daquilo como um crocodilo a andar de bicicleta.

 Porque é que diz isso?

Porque anda há anos e anos sempre a perder para a TVI… percebe alguma coisa daquilo, ela? Só leva porrada da TVI.

 Mas ela também já esteve na TVI?

Já esteve na TVI e era a escrava número dois do José Eduardo Moniz. É tudo a mesma família. Eu não sei se você vai ter coragem de escrever isto…

 «Inimigo» na TVI, «inimiga» na SIC… sobra-lhe a RTP?

Também tenho problemas com a SP (N.R. produtora que faz novelas e séries para a RTP e SIC) porque o Nuno Artur Silva quis me meter num programa da RTP e os gajos da SP Filmes disseram: ‘epá o Espadinha não, que vamos arranjar represálias com a SIC’ E esta? Já viu o país em que você vive?! (diz com ironia). E no entanto continuo a ser um grande ator!

 Assim tem as portas fechadas para todos os lados…

Todos os lados. Tudo! E é fantástico ter as portas fechadas, é porque incomodo e incomodar é muito bom. Se não me ligassem nenhuma é que era mau. (Risos)

 Então sobra-lhe o teatro?

Sobra-me o teatro e a música, e os concertos, o cinema e a liberdade e ser aquilo que me apetece ser.

 O que faz para se sentir bem?

Não vou ao ginásio e como de tudo, mas sou mais do peixe, não aprecio muito carne, não gosto muito de doces, não gosto muito de gorduras e se calhar isso ajuda.

 Não tem diabetes, hipertensão…

Nada! Nada, zero.

 Arrasou nas décadas de 60 e 70 com o êxito Recordar é Viver. E o Espadinha recorda-se desses tempos?

(Suspiro) Eu nunca penso no que está para trás. Aliás a música, para mim, foi um acidente de percurso. Eu fui fazer um programa com o Raul Solnado e fazia a mímica de um palhaço. E o Tozé Brito com quem eu vivia, nós vivíamos juntos, eu, ele e as nossas mulheres inglesas na altura, e ele disse-me assim: ‘Eh pá aquele número que tu fazes no teatro, o do palhaço está mesmo a pedir uma canção.’ Disse-lhe que fizesse, mas eu nunca tinha cantado na minha vida. E ele fez uma canção lindíssima, lindíssima… (N.R. começou a cantar a canção), uma canção linda, acho que vendeu sete ou oito discos, foi uma grande venda). (Ri-se) Depois o Tozé escreveu Foi em Setembro que te Conheci e passado uma semana começou a vender, a vender e o Carlos do Carmo dizia que eu não vendia discos, vendia bolachas.

 Diz que foi um acidente cantar, mas não revê em si dotes vocais?

Acabei por cantar e de que maneira! Andei a aprender piano, mas era um gosto que eu tinha de há muitos anos.

 E gostou das músicas que cantou?

Fiz sete discos de platina. Só. Foi pouca coisa. E sempre a dizer que não era cantor.

 Você está sempre a ironizar?

Pois. Mas foi verdade. Foi o Recordar é Viver, o Carta a Uma Mulher, Amor à Moda Antiga.

O regresso ao palco

 E agora vai voltar ao teatro. Fale-nos lá da peça Jantar Só para Dois que estreia a 7 de fevereiro.

Vou voltar aquilo que eu sei mesmo fazer a sério: representar.

 O cantar foi para brincar…

Foi uma brincadeira boa. A peça é uma peça espanhola, de um grande autor espanhol, Santiago Moncada e o Celso Cleto teve a feliz ideia de me convidar a fazer aquele papel. A minha personagem é um sujeito que conhece uma rapariga que dá cabo dos homens todos e uma rapariga que é viúva há 30 anos e nunca mais teve nenhum homem. Ele conhece as duas facetas opostas.

 E essa mulher vai dar cabo de si ou é você que vai dar cabo dela?

Quem vai dar cabo de mim é a coitadinha da viúva. A peça é uma comédia muito engraçada. Em cena está também a Sónia Aragão, de quem eu gosto muito e lhe acho um enorme talento. Esteve para fazer a Rita Blanco, de quem sou muito amigo, gosto muito dela e tem muito talento, ela não arranjou tempo, mas para castigo vai à estreia e vai chorar muito, vai ficar doida por não ter feito este grande papel. E a Paula Sá entra e é outro grande talento, a mulher canta e representa muito bem.

 A Rita Blanco foi uma resistente em ir fazer novelas, mas lá acabou por ir para a televisão…

Há certas coisas que a gente não pode dizer que não ao dinheiro, não é? ‘Não gosto de fazer novela’ e ‘então não queres 15 mil euros por mês?’ e um gajo diz: ‘não gosto de fazer novelas, mas por 18 mil posso tentar’. O dinheiro tem muita força.

 E nesta peça vai cantar?

Não, mas vou fazer uma coisa que as pessoas vão ficar muito admiradas. Eu quando era miúdo tinha a mania que gosta muito do Fred Astaire e da Ginger Rogers e vamos fazer sapateado.

 Decorar textos para si é-lhe fácil?

Decorar textos foi sempre uma coisa muito difícil, acho que é difícil para qualquer pessoa, mas nunca tive dificuldade.

 Trabalhar para esta peça e com este ritmo é fácil?

É um bocado violento. E é disto que eu gosto. Como não faço ginástica, faço ginástica em palco.

 Já esteve anos em palco com peças que eram exibidas todos os dias…

Sem nada, sem nada. Aliás, há outra coisa neste país que eu não entendo. Chega a haver peças de quinze dias, um mês… é uma coisa que eu não entendo. E fico assim muito admirado. A última peça que fiz durou dois anos, foi A Curva da Felicidade.

 Ainda é parado na rua pelo público?

Uh! Se sou! Agrada-me porque é um público diferenciado.

 Faz-lhe bem ao ego esse reconhecimento público?

É bom! Desde que não seja para chatear, faz-me sentir bem.

 Também o costumam chatear?

Não. Não sei o que quer dizer essa coisa do assédio, mas eu sou muito assediado, mas mesmo muito.

 Mas está a brincar ou a falar a sério?

Estou a falar a sério. Sou mesmo muito assediado, mas eu não tenho direito a fazer queixas. (Risos)

 Mas é livre de se queixar…

Mas é chato. Se um homem dá um piropo e diz ‘que gira que tu és, que corpo tão giro’ está a assediar, os únicos agora que não assediam são aqueles que ‘abafam a costeleta’. (Risos) A malta normal é assediada.

 “Abafar a costeleta”?

Sim. É o lobby que anda aí. Você hoje entra aí num teatro qualquer e um gajo até se sente mal. Sempre houve, mas agora é demais!

 Em criança sonhava com o quê?

Em ser ator. Nunca quis ser outra coisa. Que me lembre foi de ver no cinema francês um senhor chamado Jean Gabin, que me lembre. Adorava aquele ator, adorava loucamente e dizia que um dia gostava de ser um gajo destes e já era velho na altura. Tinha uma voz… era um ator que me enchia as medidas.

 E como foi dado o primeiro passo a caminho da representação?

Comecei como amador em Lourenço Marques; depois foi uma companhia daqui com o Henrique Santos, Carmen Mendes, em 1958, tinha eu 19 anos.

 Na sua família havia atores?

Não.

 E os seus pais faziam o quê?

O meu pai era mineiro nas Minas da Panasqueira, e a minha mãe era empregada doméstica, arrumava quartos.

 E tem irmãos?

Quando fazia essa pergunta ao meu pai ele respondia ‘Não. Comi-os todos!’

A relação conturbada com o pai e a sua morte

 A relação com o seu pai não era a mais cordial e em 1984 quando ele faleceu, o Victor foi ao seu funeral e não chorou…

Não! Mas como é que sabe isso?!

 Não sofreu com a morte do seu pai?

Sofri, mas sofri mais com o irmão dele, que foi o que mais me acompanhou. Sabe que conheci o meu pai com 17 anos porque ele foi-se embora quando eu tinha um ano ou dois e depois só o conheci com 17 anos. Nunca tive uma grande afinidade com ele.

 E com a sua mãe?

Com a minha mãe tive. Nunca morei com ela, mas tinha uma grande afinidade com ela. Era aqueles tempos em que os pais separavam e depois não queriam os filhos com as mães e encarregavam-nos a uma tia, a uma avó…

 A sua mãe sofreu com o seu pai?

Acho que sim.

 Esteve na guerra em África e levou um tiro no Ultramar, mas sobreviveu para contar a história…

Sim. Sobrevivi. Senti que estava a morrer. Eu já estive a morrer, pelo menos, três vezes. A última vez foi em 2007, os médicos do hospital e o Dr. Luís Esteves não percebem como é que me safei. O meu operador disse que eu fui um caso que não há memória. Eu estive 19 dias em coma e eles realmente não sabiam para que lado é que eu ia.

 Isso foi porquê?

Eu tive de cortar um bocado do cólon, tive um cancro maligno, mas não tinha metástases, só que estava num sítio muito difícil e eu tive uma oclusão. Olha isto que lhe vou dizer agora é muito importante… eu tinha dores que não aguentava, ia à casa de banho e nada se passava, eu comia e não deitava fora, nada.

 Tinha uma obstrução…

Mas na altura não sabia o que é que tinha. Sabia lá! Tinha dores! E já não aguentava mais e fui ao Hospital São Francisco Xavier, tiraram-me análises, fiz TAC, radiografias e era qualquer coisa que eu comi que me fez mal. Eram gases. Vinha outra vez para casa e não conseguia dormir, até que a minha companhia telefona para o Hospital da CUF e pergunta se há um gastroenterologista de serviço. Fui lá, ele apalpa-me e diz-me que tenho de ser operado porque estava com um cancro. Assim. Como é que é possível? Num hospital comi qualquer coisa que me fez mal e no outro estou com um cancro? Isto é de loucos! Mas foi isto que se passou comigo.

 Isso foi em que ano?

Em 2007. Cheguei lá, tiraram-me um TAC e fui logo para a sala de operações. E fui operado. Isto a propósito de lhe contar que já estive quase a morrer. Já não me lembro agora qual foi a terceira vez que estive para morrer, mas sei que foi três vezes. E quando era muito pequenino, ia morrendo de fraqueza, de falta de alimentação, acho que pesava uma pluma. Foi aí, na guerra e em 2007.

 E depois ainda foi outra vez… quando se atirou ao mar em Santo Amaro de Oeiras?

Ai isso não. Isso é treta. Há duas coisas que mentem a meu respeito: que já fui toureiro e é essa do mergulho. Eu fui para o mar para salvar uma senhora.

 Li que se tentou matar por uma deceção amorosa…

Não! Eu suicidar-me? Gosto tanto de viver. Eu estava em Santo Amaro numa roullote dos cachorros e estava com uma conhecida minha e ela não estava bem. Ás duas por três diz-me o homem dos cachorros que a senhora que estava comigo está no mar. Eu estranhei que estivesse no mar porque estava uma noite de vendaval, e ninguém ia tomar banho com um vendaval daqueles e eu fui lá para a tentar salvar, vestido, calçado e tudo. Eu sei nadar mais ou menos, mas não sei nadar para salvar pessoas. Eu fui lá arrastá-la e íamos lá ficando os dois. Depois agarrei-me a uma rocha e ela veio para a areia e quem me foi buscar lá foram os bombeiros porque não conseguia voltar para trás. Fomos os dois para o hospital de Cascais, para o antigo ainda, com uma hipotermia e foi assim, não houve suicídio nenhum.

 Se está aqui é porque não houve…

Quanto muito foi ela que enlouqueceu, mas eu não tenho nada a ver com isso.

 O tiro e o cancro fizeram-no ver a vida de outra forma? Mudou alguma coisa em si?

O cancro mudou. Andei aqueles meses na quimioterapia e vi ali coisas muito difíceis. Muito difíceis. Lembro-me de uma senhora que estava ao meu lado que estava sentada com o tubo enfiado no cateter e cai no chão desmaiada. Vieram as enfermeiras a correr. Presenciei coisas tramadas. O cancro fez-me ver a vida de maneira diferente, mudou-me muito, muito, e às vezes penso nisso.

Mudou-o para melhor?

Sim, sim. Eu agora tenho a mãe das minhas duas filhas, que é inglesa, com um cancro de mama. Está a fazer quimioterapia e aquilo aflige-me muito. Sofro com isso. Enfim. É uma doença filha da puta essa merda do cancro.

Reforma de 673 euros

 Confirma que a sua reforma são 673 euros?

Mas foi à Segurança Social perguntar quando ganhava de reforma? É verdade. É mais ou menos isso.

 Continua a trabalhar por prazer ou por sobrevivência?

O que acha que fazia com 600 e tal euros? Isso gasto eu a beber uns copos e a comer um prego no pão. (Risos) Mas quem é que consegue viver com 600 e tal euros? Você está a brincar comigo…

 Há muita gente que vive com 600 e tal euros

Isso não é bem assim, ou são pessoas que vivem com um parceiro e este também tem outros 600 e tal.

 E os que vivem sozinhos? E os idosos que não têm dinheiro para pagar medicamentos ou melhor, ou comem ou tomam medicação…

É uma vergonha. E depois têm o gajo da EDP que ganha meio milhão por ano. É uma vergonha.

 O Victor tem de trabalhar para se sustentar?

Tenho de trabalhar. Exatamente.

 E vive bem?

Vivo.

 Não se pode queixar?

Não.

 Mas houve alturas em que se queixou muito com falta de trabalho…

Sim. Aliás, este país onde um ator tem um sucesso estrondoso como o que foi o Mostra-me a Tua Piscina, no Teatro Capitólio, onde eu era o protagonista e foram-me buscar a Londres e eu ganhava em 1975, 45 contos por mês, que era uma autêntica fortuna naquele tempo. Eu estive dois anos a juntar no maior teatro do País duas mil pessoas por noite, todos os dias, nem à segunda-feira se folgava e quando acabei a peça tive de me ir embora para Inglaterra outra vez porque fiquei desempregado. Já imaginou o Al Pacino ou o Robert de Niro desempregados? Aqui isso acontece e não é só comigo.

 Sente-se desprezado?

Não, sinto-me muito acarinhado. Só que eu não pertenço a este país. Devo ter nascido de outra alma, noutro espaço. Vim para Portugal no dia 26 de abril de 1974. Estava a trabalhar num cabaret em Londres a fazer O Cabaret e compro o jornal e vejo na primeira página aquela imagem dos soldados a meter o cravo no cano da espingarda, essa foto correu mundo. Eu fiquei parvo a olhar para aquilo e começo a ler aquilo: ‘Liberdade em Portugal’. Já não há censura? Já podemos fazer as peças que queremos? No dia seguinte, agarrei na trouxa e vim-me embora com a mãe das minhas duas filhas, a inglesa. Foi o pior passo que dei na minha vida. Porque não havia liberdade nenhuma, era tudo uma mentira desgraçada. Enganaram-me bem enganado. Continuamos com ordenados que mais nenhum país da Europa tem, continuamos com reformas que ninguém tem. E eu nem tenho razão de queixa, há quem tenha 200 e tal e 300 e tal, uma vergonha. E é este país que eu não concebo, não existe.

E é por isso que muitos colegas seus entram em depressão?

Muitos. Eu não vou falar neles, mas há colegas meus a passar fome. Eu não aguento isso. Houve um agora que veio aí nos jornais, o Carlos Areia, que não tem dinheiro para comer. Mas como é que isto é possível? Ele não tem idade para se reformar e depois não tem trabalho. São duas condições tramadas.

 E o que faz para ajudar essas pessoas?

Para ajudar? Não tenho vida para ajudar. Ás vezes ajudo, não ajudo dando dinheiro que não tenho para dar, mas ajudo. Ás vezes numa questão de trabalho e eu lembro-me de alguém que está aflito.

 Mas já foi ajudado pelo Raul Solnado, numa altura em que lhe disse que estava a passar fome

Sim, sim. Isso são coisas muito antigas. E eu mandou-me ir à bilheteira e levantar o dinheiro que quisesse.

 E você levantou 100 escudos

Já não me lembro.

 Esses são os verdadeiros amigos. Foi ao funeral dele?

(Lágrimas nos olhos) São. Sim, fui.

 Chegou a intitular-se o «desempregado mais famoso de Portugal»…

Depois de fazer um êxito como o Mostra-me a Tua Piscina em que todo o país falava da peça, e eu trouxe o encenador inglês para cá, e aquela peça ficou muito célebre e depois de um êxito destes fiquei desempregado.

 O que amealhou durante esses tempos não deu para viver a seguir?

Não, porque eu não amealhava nada.

 E o que fazia ao dinheiro que gastava?

Gastava em tudo. Tinha um bom carro, mudava de carro muitas vezes, vivia em apartamentos caros, não olhava ao preço das coisas.

 E não pensava no futuro?

Não!

 Como é que fez para criar seis filhos?

Isso não sei, não me pergunte a mim que não sei. Acho que nem eu nem elas sabem como isso foi. Cinco filhos, cinco filhos.

 Não teve seis?

Não. Cinco. Cinco filhos de quatro mulheres. Há um nos Açores que ela diz que o filho é meu, mas eu não o conheço e esse não conta.

 Então tem um filho bastardo.

Ela diz que eu sou o pai dele.

 Então tem uma filha, tem mais três filhos que nasceram em Inglaterra (duas raparigas e um rapaz), a seguir teve um filho francês…

Ah! Isso é o tal caso que eu não sei se é meu. Eu conhecia-a nos Açores, na Vila do Faial. Ela era francesa, bailarina e foi grávida para a terra dela, e foi ter o filho lá.

 E depois deste ainda teve mais um rapaz

Que é o mais novo, que é médico, tem 32 anos.

 Então tem cinco filhos e um que não sabe se é seu.

Tenho cinco filhos legítimos, o outro não sei. Nem me lembrava agora disso, do filho da Myriam, curioso.

 O facto de ter tantos filhos também acarreta uma despesa maior. Ajudou as mães, certo?

A mais velha de todas, Antónia, que é portuguesa foi criada com a minha mãe. Antónia que é afilhada da Aida Batista e do António Calvário, porque ela nasceu num camarim do Variedades. (Risos).

 Fale-me dos seus filhos.

Depois tenho o mais velho que vive em Bristol, que é o Dominique, vem cá todos os anos passar um mês comigo. Mas esse não fala uma única palavra de português. Depois tenho duas filhas que moram cá mas que nasceram em Inglaterra: a Vanessa e a Lisa. E depois tenho o mais novo de todos, Vítor Espadinha que vive cá e é médico.

 Teve quatro mulheres sendo que só casou duas vezes.

Três mulheres. Só casei duas vezes? Não! Eu só casei uma. Ah! Casei duas, casei duas, mas não tive filhos dessa. Era muito miúdo.

 Então porque não casou com as outras?

Porque nesse tempo de artista elas eram bailarinas, a mãe das duas eram bailarina clássica, que não liga aos casamentos, muito independente; depois a Brigite – a mãe do Dominique – também não ligava a casamentos. Eu só casei com estas duas para entrar no Sindicato dos Atores em Inglaterra.

 E agora vive sozinho ou tem outra companheira?

Vivo aqui com a Maria Matos, que é a mãe do meu filho mais novo, que é o Vítor. O meu filho nasceu no dia em que o Sporting deu sete a um ao Benfica [N.R.: 14 de dezembro de 1986]. Eu já conhecia a Maria Matos de 84.

 Sempre foi romântico, apaixona-se com facilidade?

Não sei como hei de explicar isso. Nenhuma mulher acredita que eu estou apaixonado, mas quando estou com elas sinto que estou. Mas elas não acreditam, não sei se é a minha faceta de ator, se o que é que é. Acham que estou a representar, mas não estou.

 O que faz para conquistar as mulheres?

Nada! É a melhor coisa que se pode fazer é não fazer nada.

 Sempre teve as mulheres que quis?

(Risos) Não. Ninguém tem as mulheres que quer, tem as mulheres que se pode ter. (Risos). Nunca tive essas dificuldades. A malta que vive sozinho sem mulheres, isso faz-me muita confusão. Sou incapaz de viver sozinho. A minha companheira agora está no Brasil, e eu não me sinto bem na cama sozinho. Embora isto com os anos vai passando e depois entra-se na rotina e depois o amor vai desfalecendo, vai morrendo e depois vai ficando aquela amizade forte, são muitos anos.

 O que sente pela sua atual companheira, é amor ou amizade?

Nós somos amigos. Eu não sei se ela gosta muito de mim, se gosta assim a assim, nem me interessa. Eu sei que sinto por ela uma amizade muito grande e pronto. E se tiver um caso qualquer não sou capaz de sair de casa e ir viver com a outra, não sou capaz.

 Não estou a perceber.

Nem eu. (Risos)

 Explique lá, está com a sua mulher por amizade?

Eu gosto dela. Mas gostar de uma mulher é uma coisa, agora estar apaixonado, louco e com falta de ar é outra, não é?

 Mas isso sucede ao início.

Depois acaba a paixão e vem o amor e acaba o amor e vem a amizade. Quando acaba a amizade, vem um pontapé no rabo. Eu acho que o amor e a paixão não tem explicação.

 Mas sente amor pela sua mulher?

Não sei o que hei de dizer. Somos amigos.

«E há algum homem que não minta a uma mulher?»

 Então, mas mente-lhe?

E há algum homem que não minta a uma mulher? (Risos). Então onde é que estiveste filho? ‘Estive a dar uma queca com a Isabel’ Isso não existe! Então os homens não mentem? Mas eu digo-lhe que mentem. Mentem de manhã à noite. Elas também mentem, mas não tanto. Os homens é diferente. É muito mais difícil para elas.

 Ou sabem esconder melhor, se calhar.

Não é só isso. Os homens podem ter um caso com outra mulher e aquilo depois lavou, está tudo passado e não sentem nada. As mulheres não. Quando têm um caso com outro homem aquilo já não é a brincar. Nós é a brincar. Vou pôr um exemplo. Estou num sítio qualquer e aparece uma mulher extraordinária, linda, até o cheiro embebeda. E ela diz-me: Queres ir lá a casa beber um cafezinho e eu vou dizer o quê?! Não. Vou lá a tua casa, deves estar maluca!’ Isso é um engano.

 Mas isso não implicou que também não ganhasse fama de ter relações sexuais com homens.

Olhe essa eu não sabia. Mas isso veio aonde?

 E você até respondia: “Mas quem é que não as teve?”

(Silêncio) Não! Eu uma relação com homens? Não! Mas se tivesse dizia.

 E já foi assediado por homens?

Sim, já fui assediado por homens mas muito pouco, muito pouco. Eu não sou o tipo que os bichas gostam.

 É homofóbico?

Sou um bocadinho contra o lobby gay.

 Já sentiu isso na pele?

Já. Já me prejudicaram profissionalmente por causa do lobby gay. Agora raças não tenho problemas.

 Já disse que teve muitos casos escaldantes. Que casos foram esses?

Ai isso já tive! Já tive coisas escaldantes e difíceis de lidar. Completamente domado, com possessão. E eu tive um caso muito difícil, mas não posso falar sobre isso.

 Com a amante de um cirurgião.

Sim. Ficou obcecada por mim, mas hoje somos amigos. Estivemos muitos anos sem ser, era só ódio.

 Com gente anónima. Portuguesas ou também estrangeiras?

Não. Eu também vivi com colegas minhas. Foi muito falado que vivi três anos com a Ivone Silva, que ela era uma grande vedeta de revista. Já tive casos com colegas minhas, mas pronto.

 E depois leva um chuto no rabo ou dá um chuto no rabo?

Tu cá tu lá.

 A sua vida é um turbilhão de emoções

É. Mesmo que soubesse viver de outra maneira não conseguia. As coisas acontecem-me assim. Mas agora estou muito sossegado.

 Quando deixou de fazer rádio em 1967, foi para o Rossio dar milho aos pombos. Que protesto foi esse?

Eu fui corrido da rádio por passar discos do Zeca Afonso e do Adriano Correia de Oliveira e do Padre Fanhais. Eu sempre gozei com a ditadura em Portugal. Eu não tinha medo de gozar com a ditadura e eu acho que também não os incomodava e como era ator aproveitava. Havia um tipo que era agente da PIDE, Moita de Deus, um nome curioso para ser informador da PIDE não é?

 Porque é que tem um espírito provocador?

Tenho, tenho. Dava-me um gozo gozar com esses gajos da PIDE.

 E não tinha medo de ser preso?

Não, não tinha?! (Irónico) Fui uma vez preso. Estive dois anos preso no forte, mas isso foi em razões  militares. Eu era militar, eu era aspirante a miliciano e tinha um plantão à minha conta e aquilo não funcionava nada comigo. Os meus soldados adoravam-me. Até que um dia meteram-me dentro. Há um alferes que põe os soldados a engraxar as botas das cavalarias e o gajo manda-me ir num pelotão de reconhecimento para o norte de Moçambique. E eu disse-lhe: ‘olha lá, tu em vez de andares aí a mandar engraxar as botas vai tu fazer o reconhecimento, porque é que hei de ir eu?’ O gajo participou de mim e levei tanta porrada, tanta porrada, e tiveram que me prender. Eu gozava com os gajos todos.

 Voltava a fazer o mesmo?

Voltava sempre a fazer o mesmo. Sabe quem é que me salvou? Quem é que me salvou de ficar preso de 64 a 74, dez anos até ao 25 de abril? Foi o Dr. Almeida Santos, que era advogado. Para este gajo eu tenho uma dívida de vida. E quando saí sem roupa nenhuma com aqueles calçõezinhos caqui, sem galões, sem nada, nem botões tinha, fui ao escritório dele agradecer-lhe. ‘Óh Dr. Quanto é que lhe devo? Homens como tu não me devem nada!’ Ele morreu agora há pouco tempo. Não posso falar disto porque isto emociona-me. (Lágrimas nos olhos)

Fez muitas peças e com muito sucesso, como O Cabaret; O Super-Homem… Nessa altura sentiu que havia quem tivesse inveja de si?

Não. Não sinto isso. Eu sinto é tipos que não gostam de mim, e já lhe dei três ou quatro casos. Esses não gostam de mim. Aquele dos pés para o lado [José Eduardo Moniz] é uma coisa por demais.

 Não reconhece que ele faz um bom trabalho na TVI?

Não. Ele está lá porque é a política que o mete lá.

 E da mulher dele, a Manuela Moura Guedes. O que acha dela?

Não quero opinar porque não me dou bem, nem mal com ela. Conheço-a pessoalmente muito mal. Ela cumprimenta-me bem, eu cumprimento-a bem; não é uma apresentadora de quem eu gosto, profissionalmente não me diz nada, prefiro a Clara de Sousa, até dá gosto ver uma mulher daquelas a dizer as notícias. A Manuela não me dava gozo nenhum. Eu sou a Manuela Moura Guedes e depois era só dizer mal, dizer mal, aquilo enjoava um bocado. Eu não dou opinião dela, porque ela não merece uma opinião minha, nunca me fez mal nenhum.

 Mas o marido fez?

Um sacana.

 Não perdoa?

Não.

 Sabe perdoar?

Sei. Mas há certa gente que eu não perdoo. Esqueço, mas não perdoo. E farto-me de gozar quando o vejo atrás do Luís Filipe Vieira, a sombra dele, parece um empregado de café atrás dele.

 Já disse coisas sobre o José Eduardo Moniz como “ele é um descalabro de caráter, um incompetente, um cromo”…

É! É a opinião que eu tenho dele. Puseram o Carlos Pinto Coelho fora da direção de programas – que é uma pessoa das mais nobres de caráter que eu conheci em toda a minha vida e deram-lhe aquele biscoitozinho que era o Acontece; e meteram esse número, esse bacoco.

 Como acha que ele chegou lá?

Ele era locutor na televisão dos Açores, de repente passa para diretor de programas, porque é que acha que é? Os pés são para o lado… Um fator político, não sabe como é que se sobe na política?

 O Luís Marques [N.R.: ex-administrador da SIC] também não escapa aos seus comentários, chama-o de “aldrabão”…

Chamo-o de aldrabão e tenho as cartas onde provo que ele é um grande aldrabão, cartas assinadas por ele.

 Prometeu-lhe trabalho e não lhe deu?

Sim, mas a dizer começa para a semana, para o mês que vem, mais não sei o quê e não deu. O Balsemão mandou-o escrever uma carta a pedir-me desculpa. E ele escreveu uma carta a pedir desculpa e não me deu o trabalho. Gorja. Uma cambada de gorja.

 Porque é que acha que não faz amigos?

Ai, eu tenho muitos amigos. Tenho grandes amigos, amigos como irmãos. Tenho um em Lourenço Marques, o Magalhães de Oliveira – conhecemo-nos desde a faculdade.

 Quem é o Victor Espadinha?

Não sei responder a isso. É um ator. O Celso Cleto que me está a encenar diz que nunca viu nenhum ator que soubesse o que é o palco como eu. É muito bom ouvir dizer isto.

 Tem fama de ser antipático e arrogante.

Ah! Isso tenho. Mas isso é mentira. A fazer a sitcom chamada “A Família Mata”, era eu, o José Pedro, a Rita Blanco e mais meia dúzia deles. E a Rita Blanco no jantar de despedida disse assim: ‘epá, dizem que este gajo é complicado? Mas este gajo alguma vez é complicado? Eu não entendo. Olha, eu adoro-te. Sou tua’, dizia à frente de toda a gente. (N.R.: volta a emocionar-se) Porque é mentira. As pessoas dizem estas coisas e emocionam-me. Mas há uma coisa que exijo em teatro: só trabalho com gente com talento. Trabalhar com gente sem talento prejudica o nosso trabalho. A Paula Sá deixou o Filipe La Féria para vir para esta comédia. Ela é um talento do caraças.

 Continua a achar que se tivesse nascido na América seria um Marlon Brando?

Não sei se seria um Marlon Brando, mas seria um ator do caraças. E disso não tenho dúvidas nenhumas. Porque a América mas não de trabalhar lá, mas a mentalidade é mais ou menos a mesma do que em Londres e passa-se tudo em Londres que se passa cá. Também algumas põem-se na posição horizontal; há outros que abafam a costeleta, é tudo igual. Só que têm uma diferença, é que eles não misturam as coisas e aqui misturam.

 Já ganhou muito dinheiro, já teve muito prestígio, que bens é que possui?

Nada. Zero. A mim não me acontece essa coisa da insolvência.

 Chapa ganha, chapa gasta?

Não é só isso.

 Esta casa é sua?

Não. Esta casa está em nome do meu filho, do meu filho médico. O meu filho é rico. (Risos) Esta casa é dos dois. Nós temos negócios, ela também tem negócios, tem medo, e eu também tenho.

 Tem medo que os negócios possam correr mal?

E assim vêm buscar o pau com os ursos é que eles vêm. Não vêm buscar nada porque não tenho nada. E tinha um Mercedes Benz 250 e ela tem um SL 3500 e também vai vender.

 Por falar em negócios, o Victor agrediu o antigo sócio da sua mulher e foi presente a tribunal. Como é que isso ficou?

Isso vai ser julgado. Ela telefonou-me a dizer que ele a tinha agredido e eu não vi mais nada. Cheguei lá e estavam cinco polícias à volta dele com uns problemas que haviam na casa e eu parecia o Super-Homem. Saltei por cima dos polícias, saltei por cima de tudo. Fui algemado para Cascais porque não posso bater em ninguém em frente à polícia, cheguei à esquadra e tirei as algemas e depois estivemos toda a manhã à espera que a juíza me chamasse, disse que isto ia para investigação e até hoje está a ser investigado. Eu tenho uma vantagem muito grande, é que não tenho culpa de nada.

 Quis ser um artista famoso e admirado por todos? Alcançou esse sonho?

Sim. Os tempos são iguais.

 E ganha tanto dinheiro como ganhava nessa altura?

Ah! Não, isso não.

 O que é que lhe falta fazer?

Várias coisas. Uma das coisas que me falta fazer é um musical a sério.

 Ainda vai parar outra vez ao La Féria?

Não. O Lá Féria não deve ir ao teatro há mais de 30 anos. Acho que ele parou no tempo. Ele faz grandes espetáculos, mas é sempre a mesma coisa. Fiz uma comédia com ele que era a Flor do Cacto e eu gostei muito de fazer aquilo com ele. Também me falta fazer um grande filme, mas não pode ser cá. Nos filmes portugueses falha tudo.

 E se lhe fizessem um convite para entrar num filme português declinava o convite?

Não. Eu entrei em filmes portugueses, poucos mas entrei, e gostei muito de fazer um filme do Zé Fonseca e Costa Viúva Rica, Solteira Não Fica; quando me começa a chamar é quando morre. É uma chatice.

 Qual foi o seu último trabalho em televisão?

O Hotel Cinco Estrelas. Fazia de cozinheiro.

 E se fosse convidado a entrar numa novela. Entrava?

Não sei. Sinceramente. Se a Gabriela Sobral me convidasse era capaz de ir. Depende do elenco, da história, não sei.

 E se o Moniz o convidasse, ia?

Quem? O Moniz não convida. Preferia matar-se.

 Texto: Mafalda Dantas

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